Postagem atualizada em 29/08/2013 às 1h15
Um dos direitos humanos fundamentais, princípio básico das legislações burguesas, é aquele que garante a qualquer pessoa o direito de conhecer quais são as acusações que pesam sobre ela, além de ter amplo direito à defesa destas mesmas acusações. Assim, sabendo que há uma campanha na internet coletando assinaturas, através de um abaixo assinado no site Petição Pública, em favor do professor Paulo Berndt que está respondendo processo administrativo no Instituto Federal do Rio Grande do Sul – IFRS. Nesse PAD foi questionada sua conduta profissional em que teve sua avaliação no estágio probatório reprovada e não lhe permitiu ampla defesa. Por esses motivos expostos, o Sinasefe Nacional divulga entrevista feita pela Seção Bento Gonçalves com o referido professor no intuito de garantir seu direito de se defender publicamente das acusações que tem sofrido.
Dessa forma, dar voz a quem está passando por acusações é um preceito básico dos direitos humanos que está sendo violado. A situação do professor mobilizou os participantes do Seminário de Precarização da Região Sul, ao passo que o grupo elaborou uma Moção de Repúdio as práticas aplicadas.
Abaixo-assinado Repúdio ao processo administrativo contra o professor Paulo Berndt
Confira a entrevista abaixo:
Sinasefe: Primeiramente, Paulo, você poderia nos falar de sua formação acadêmica, de sua entrada no IFRS e de sua participação na vida desta instituição?
Prof. Paulo: Eu sou licenciado em Matemática pela UFPel e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da UFRGS. Ingressei no IFRS Campus Feliz em 28 de outubro de 2010, desde então, venho desenvolvendo minhas atividades institucionais em várias frentes. Além das aulas, me dedico continuamente a atividades de extensão, como o Curso Complementar de Revisão dos Conteúdos de Matemática do Ensino Fundamental e o Curso Preparatório para ingresso no IFRS Campus Feliz. Esses cursos são articulados com as minhas atividades de ensino, objetivando enfrentar as defasagens trazidas do ensino fundamental por muitos dos alunos. São muitas as dificuldades a serem superadas e, a partir disso, sempre procurei oferecer aos estudantes da comunidade uma preparação ainda no ensino fundamental para o que lhes será exigido mais tarde no cursos de ensino médio integrados do IFRS. Além disso, há um constante trabalho desenvolvido semanalmente nos Estudos Orientados da disciplina, onde os alunos regulares podem contar com um acompanhamento mais individualizado para dirimirem suas dúvidas. Na parte administrativa, por duas vezes consecutivas, fui eleito presidente da Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) do meu campus, há quase dois anos sou representante docente do campus no CONSUP do IFRS, trabalhei e venho trabalhando em várias comissões como: Comissão de Assistência Estudantil; Comissão de Gerenciamento de Ações de Extensão (CGAE); Comissão de Revisão e Reformulação do PPC do Curso Técnico em Informática; Comissão Permanente de Seleção (COPERSE), tendo sido, inclusive, coordenador do processo seletivo 2012 do campus Feliz.
Sinasefe: Está ocorrendo um abaixo-assinado no site Petição Pública em repúdio ao processo administrativo que está ocorrendo contra você. Você poderia nos dar maiores detalhes desse processo?
Prof. Paulo: Venho sofrendo um processo de perseguição política dentro do IFRS campus Feliz. No dia 21 de dezembro de 2011, um grupo de pais de alunos reprovados procurou a direção do campus com a intenção de pedir a adoção de um sistema de dependência. No entanto, a direção de ensino em vez de recebê-los e tratar diretamente do assunto aceitando ou não essa reivindicação, me coagiu a participar desta reunião com o grupo de pais, onde fui acusado de ser um professor incompetente, de haver reprovado intencionalmente alunos e de promover “terrorismo psicológico” em sala de aula. No final desta reunião por muito pouco não fui agredido fisicamente por um destes pais, sendo ameaçado e humilhado publicamente. Em minha trajetória como docente, trabalhei na UFPel e no IFSul, instituições muito maiores e mais complexas que o IFRS, e no entanto, jamais enfrentei este tipo de problemas. Nestas instituições sempre tive meu trabalho respeitado e reconhecido pelos demais colegas. Até então, nunca uma chefia me havia solicitado que aprovasse alunos com rendimento insuficiente, que baixasse o nível de exigência das avaliações, que evitasse certos cálculos mais complexos, pois estes “não agregavam conhecimento aos alunos”. A situação chegou ao extremo de no conselho de classe de 2011, a direção de ensino me pressionar para que eu revisasse as notas, inclusive expondo as médias de meus alunos e comparando com os rendimentos nas demais disciplinas, além de afirmar que havia algo de muito errado, pois as médias não eram uniformes. Outro fato que irritou profundamente o diretor geral da época e também a reitora foi eu ter denunciado uma grave irregularidade num concurso público do IFRS em que atuei como fiscal. Havia absurdos escritos no manual do fiscal, tais como: “Se algum candidato solicitar informações de como proceder para alterar a marcação de uma resposta já anotada na Folha Óptica diga: Você pode apagar a resposta indesejada e marcar a nova alternativa”. Quando tentei dialogar com o coordenador do concurso sobre este fato, este fechou a porta na minha cara, dizendo que não tinha tempo para falar comigo. Antes de iniciar a prova, outros colegas fiscais também questionaram o coordenador sobre isso e ele respondeu: “Não criem polêmicas. Façam exatamente o que está escrito no manual”. Dessa forma, procurei o Ministério Público, realizei denúncia afirmando que aceitar folhas óticas rasuradas contrariava o edital e isso poderia ser indício de fraude, pois se a comissão quisesse beneficiar alguém poderia simplesmente rasurar as respostas de modo a aumentar seus acertos, assim como se quisesse prejudicar algum candidato, também poderia fazê-lo, rasurando de forma a diminuir o número de acertos. O MPF aceitou a denúncia, fez uma devassa no concurso e isso provocou a fúria dos gestores. A reitoria do IFRS foi levada a assinar um termo de ajuste de conduta do MPF, devido às irregularidades comprovadas. Depois desta denúncia, o diretor geral e o diretor de ensino da época decidiram abrir o PAD contra mim. Inclusive em uma reunião o diretor geral da época teria dito que essa era uma determinação da reitora. Fui inicialmente acusado de três coisas: deslealdade para com a instituição, tratar a comunidade acadêmica com falta de urbanidade e estar em desarmonia com normas institucionais. O diretor geral da época acertou a vinda de três servidores da UFSM, especialmente para me processar, sendo que pelo menos um deles parecia ser seu amigo particular. Faço esta afirmação, pois tive acesso a um e-mail do diretor para este servidor da UFSM, no qual tratava-o intimamente no diminuitivo, dizia ter ligado pra casa dele, além de indicar provas que deveriam fazer parte do PAD. Nesta época, apliquei um questionário aos meus alunos, solicitando que fizessem uma avaliação do meu trabalho enquanto professor e da minha postura profissional. A resposta e a identificação eram facultativas, mas isso serviu de pretexto para que eu fosse proibido pela direção de adentrar o espaço físico do campus durante mais de 60 dias, supostamente porque eu poderia coagir alunos e prejudicar as investigações. No entanto, a comissão processante não levou em conta o que disseram em meu favor 35 testemunhas entre alunos, ex-alunos, mães de alunos, colegas e superiores, nem as posições externadas pela quase totalidade dos estudantes do ensino médio via internet e em abaixo-assinado entregue à direção do campus. Preferiu, ao invés disso, dar crédito a um ex-diretor de ensino cuja animosidade para comigo foi atestada por algumas daquelas testemunhas, também deu crédito a duas alunas reprovadas e ao marido de uma terceira, além de pessoas de fora do IFRS, inclusive uma senhora que, no dia do depoimento, admitiu ser a primeira vez que estava me vendo. Estes servidores da UFSM me indiciaram como autor de “várias irregularidades” segundo a lei 8112, pedindo inicialmente a minha demissão, embora depois tenham voltado atrás e sugerido suspensão por 20 dias. Como a abertura e as sucessivas prorrogações do PAD (que já dura quase um ano), assim como a escolha e recondução da comissão processante, foram decididas unilateralmente pelos sucessivos diretores gerais sem consulta alguma a qualquer órgão colegiado do campus, um representante docente no Conselho do Campus Feliz pediu a anulação de todos esses atos. Essa questão ainda será discutida.
Sinasefe: Paulo, destaque os acontecimentos em sua vida funcional que o levam a acreditar que você passa por um processo de perseguição política em seu local de trabalho.
Prof. Paulo: Basicamente três. Primeiramente, sempre manifestei claramente o meu posicionamento nas reuniões, mesmo quando este era divergente em relação às intenções da direção e certamente os dirigentes não viam com bons olhos minhas colocações. Segundo, eu me neguei a participar do esquema de “facilitação da aprovação” proposto pelo diretor de ensino da época, por isso a acusação de desarmonia com as regras institucionais. Terceiro: o fato de eu ter denunciado o concurso público provocou a fúria dos gestores, que através do PAD, buscaram a retaliação. Houve também o caso de um aluno que passou mal em um dos sábados letivos e só havia professores no campus. Não havia membro algum da direção que pudesse dar encaminhamento ao problema. Nós ligamos para o diretor de ensino da época que repassou o problema ao diretor geral, que simplesmente se negou a resolvê-lo. Eu juntamente com outros dois professores fomos obrigados a nos responsabilizar pelo aluno e após o término das aulas o levamos para atendimento hospitalar. Enviei um e-mail para a direção com cópia para todo o campus e para a ouvidoria do IFRS, explicando a situação e exigindo um posicionamento da direção. Nunca obtive resposta. Esta omissão aconteceu antes da abertura do processo administrativo contra mim.
Sinasefe: Sobre o seu estágio probatório, há já uma portaria assinada pelo diretor do campus Feliz do IFRS informando sua reprovação. Na sua visão, como se deu este processo de avaliação? Foi possibilitada ampla defesa a você? Foi dado tempo ou oferecida alguma qualificação continuada para, se for o caso, melhorar seu serviço?
Prof. Paulo: Nestes quase três anos de IFRS nunca havia tido acesso ao meu estágio probatório. Em 17 de junho de 2012, após fazer uma solicitação direta ao então diretor de ensino, este marcou uma reunião comigo em um dia e horário em que eu devia estar dentro de sala de aula. Ele era meu chefe imediato e sabia disso. Pedi nova reunião e nunca mais obtive resposta. Nesta época eu estava trabalhando havia mais de um ano e meio na instituição e jamais havia sido feita qualquer avaliação minha. Ele e o diretor geral da época, mesmo sem minha presença, fizeram avaliações retroativas, atribuindo várias notas baixas ao meu desempenho profissional, das quais nunca fui notificado. No dia 28 de junho deste ano eu fui chamado para uma reunião que corresponderia a minha última avaliação do estágio probatório. Então descobri que depois das três avaliações realizadas retroativamente, eles haviam feito a quarta avaliação, me dando notas baixíssimas (praticamente todas notas 1 – a nota mais baixa da escala de pontuação). Isso foi feito sem o meu conhecimento e jamais me foi dada qualquer notificação ou aviso. Então, neste dia, eles simplesmente deram o golpe de misericórdia, me descontando pontuação por fatos inacreditáveis como, por exemplo, eu não ter entregado as notas do 3° bimestre de 2012 no prazo. Eu lhes expliquei que só não cumpri o prazo porque eles próprios haviam me afastado e me impossibilitado de entrar no campus. Eles me disseram que eu poderia ter pedido para a direção uma licença especial para entrar no campus, entregar as notas e ir embora!!! Também usaram como motivo de desqualificação de meu trabalho o fato de meu advogado ter respondido um e-mail do diretor de ensino com cópia para o corpo discente, esclarecendo que eu havia sido afastado pela direção e que agora esta mesma direção me pressionava a colocar as notas no sistema, o que certamente eu não teria a obrigação de fazer naquele momento, já que havia sido afastado. Nestes quase três anos, eu nunca fui procurado por nenhuma chefia no sentido de me dar orientações para melhorar meu trabalho, nem me foi oferecida qualquer possibilidade de qualificação para preencher as lacunas que por ventura existissem. E esta é uma questão fundamental, pois não houve nenhum tipo de encaminhamento feito pela gestão a partir do acompanhamento do estágio, ou seja, a avaliação é processual, mas em nenhum momento recebi orientações para poder melhorar meu desempenho. Pelo contrário, tive acesso às notas somente ao atribuírem os resultados finais, no dia 28/06/2013. Quanto ao fator responsabilidade, me foi atribuída a média 2,334 (sobre peso 5) e quanto à disciplina, obtive a média 2,476 (sobre peso 5), sendo a média para aprovação em cada quesito é 2,5. Assim estava reprovado nestes dois quesitos, mesmo tendo desempenhado todas as minhas funções de forma dedicada e constante, durante todo este tempo jamais faltei a uma aula ou reunião, fui reprovado por décimos e centésimos. Por estas razões, acredito que esta reprovação só confirma o processo de perseguição política que venho sofrendo. O fato é que os gestores me querem fora do IFRS e buscam, a todo custo, desqualificar meu trabalho.
Sinasefe: Paulo, seus alunos recentemente prestaram solidariedade a você. Como foi esse episódio?
Prof. Paulo: Tenho muita afeição por meus alunos do Curso Técnico em Informática do Ensino Médio. Para mim, mais do que trabalho, é uma alegria poder acompanhar seu desenvolvimento, poder estimulá-los a buscarem o conhecimento. E é gratificante ver que eles sabem valorizar meu esforço. Fiquei muito feliz com a manifestação de solidariedade destes alunos, que já na época de meu afastamento da sala de aula organizaram um abaixo-assinado entregue à direção com os nomes de quase todos os estudantes do ensino médio integrado e depois fizeram uma faixa na qual se podia ler “Professor Paulo Berndt: os alunos estão contigo e te apoiam! CHEGA DE PERSEGUIÇÃO!!!” Eles assinaram a faixa e a penduraram entre duas colunas do campus. Infelizmente, foram censurados pela direção com a desculpa de que o artigo 117 inciso V da lei 8.112 impede a manifestação de apreço ou desapreço na repartição pública. Esta mensagem veio por e-mail da chefia de gabinete, endereçada a todos servidores e alunos. Um aluno respondeu dizendo que essa lei se aplica somente a servidores e não a alunos. Isso desmascarou a farsa da direção, que inventou a nova desculpa de que os alunos não tinham autorização do setor de comunicação do campus para pendurar faixas. Depois disso mandaram bloquear o e-mail geral dos servidores, de forma que não recebemos mais mensagens externas de alunos. Se havia alguma dúvida da perseguição, não há mais.
Sinasefe: Por último, o que é assédio moral para você? Como se constrói um bom ambiente de trabalho?
Prof. Paulo: Assédio moral se dá pelas formas terríveis de coação, constrangimento e humilhação do servidor no ambiente de trabalho e, infelizmente, é algo que parece estar cada vez mais presente nas instituições de ensino. Eu e outros colegas sentimos na pele os efeitos desta opressão, muitas vezes por meio de ameaças diretas. Essa situação traz danos à produtividade e à autoestima do trabalhador, é algo realmente devastador. Eu repudio esse comportamento de alguns gestores, e vou além, pois decidi não mais ficar calado. Alguns colegas que assumem cargos de gestão precisam ainda aprender que este pretenso “poder” que hoje possuem, amanhã não será nada, pois não se faz carreira acadêmica com cargos, mas com ensino, pesquisa e extensão. Penso que se a instituição não revir imediatamente suas práticas, a tendência é cada vez mais as coisas piorarem, principalmente porque estas mazelas afetam diretamente as relações humanas. Quando eu ganhava um mísero salário mínimo e lutava para passar em concursos públicos achava que só conseguiria ter paz e sossego depois que tivesse meu emprego com estabilidade. Naquela época nunca poderia imaginar que um dia passaria por todo este inferno profissional. Meu sonho é trabalhar em um lugar que me ofereça condições dignas, onde não exista a lei do silêncio, a ditadura do medo, onde exista o respeito mínimo entre os colegas e no qual eu possa dar minhas aulas com tranquilidade. Nunca desejei cargos nem funções gratificadas, pelo contrário, sempre quis ser “soldado raso”, pois gosto mesmo é de dar aulas.
Sinasefe: Paulo, você já esteve junto conosco em muitas lutas de nossa categoria, como na greve de 2012, e não podíamos nesse momento deixar de dar voz a você, para que assim possa divulgar sua versão dos fatos e se defender de acusações que já se tornaram públicas.