Postagem atualizada em 21/03/2017 às 18h02
Há exatos 57 anos, em Joanesburgo, África do Sul, ocorria uma manifestação pacífica com cerca de 20 mil pessoas que protestavam contra a Lei do Passe. Esta Lei obrigava os negros a portar um passaporte especificando os locais por onde podiam circular. A polícia disparou contra a multidão matando 69 pessoas e ferindo outras 186. Essa ação ficou conhecida como “Massacre de Sharpeville”, e em memória a esse assassinato em massa a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a data de 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Cabe lembrar que a lei do passe fez parte da política do apartheid, assim como outras igualmente racistas: proibição de casamento entre brancos e negros, criação de bairros só para negros, sistema diferenciado de educação, proibição de negros de usarem determinadas instalações públicas (bebedouros, banheiros, etc).
O apartheid na África do Sul durou 46 anos e deixou fortes sequelas, como prisão de várias lideranças, dentre eles Nelson Mandela que ficou encarcerado por 27 anos.
Em junho de 1976, período forte de repressão do regime apartheid, a polícia fez um estrago ainda maior: atirou num protesto de milhares de estudantes em Soweto e matou 600 pessoas, prendeu 13 mil. Dentre os detidos estava Stephen Bantu Biko, liderança do movimento, que foi torturado e morto na prisão.
O racismo acabou com o fim do apartheid?
Episódios recentes divulgados na imprensa comprovam que o racismo mata. A cena de horror vivida por imigrantes da Somália no Iêmen, no último 17 de março, quando um helicóptero disparou contra o navio em que estavam, vitimando 31 somalis, é uma manifestação explicita de racismo.
As inúmeras perseguições, deportações, mortes, construção de muros e cercas proibindo a entrada de imigrantes pelos governos, sem que haja qualquer política protecionista por parte da União Europeia e dos EUA, são resultados da barbárie capitalista. O recém-eleito presidente dos EUA tem feito discursos e implementado políticas que combinam racismo, xenofobia e machismo: aumentou a tropa de militares, fala de construção de muros nas fronteiras com o México, interditando muçulmanos, prometendo expulsar imigrantes ilegais, aumentar as taxas de entrada no país e não conceder vistos temporários.
Brasil e a difícil situação de vida dos trabalhadores negros
O caso emblemático de Cláudia Ferreira, morta e arrastada em via pública no Rio de Janeiro pela polícia há dois anos, mostra a cruel realidade enfrentada no Brasil. Sequer foi marcada a primeira audiência, os policiais envolvidos estão soltos e trabalhando na mesma corporação, fatos que revelam a certeza de impunidade e aumentam a estatística de homicídio de mulheres negras.
Dados do último Mapa da Violência Contra Mulheres revelam que em dez anos houve um aumento de 54% de assassinatos de mulheres negras, enquanto entre as brancas o número diminuiu em 9,8%.
As mulheres negras representam a cota de dois terços da população penitenciária feminina, segundo o Levantamento Nacional de Informações penitenciária- INFOPEN (dados de 2000 a 2014). 50% dessas mulheres têm entre 18 a 29 anos, estão em plena fase produtiva, são pobres, com baixa escolarização e têm filhos para sustentar. O Brasil é o 5º país do mundo em população carcerária feminina.
São situações terríveis para as mulheres negras e muitas delas têm que suportar a dor da perda de filhos. Dos assassinatos praticados 77% são de jovens negros, cerca de 56 mil vítimas por ano. Este fato torna o Brasil campeão de assassinato e revela a face mais cruel do capitalismo que combinado com o machismo e racismo – mata, encarcera e desumaniza o povo negro.
Como se não bastasse, a grave crise econômica tem atingindo principalmente a população negra e pobre. São quase 13 milhões de pessoas desempregadas, chegando a casa de 28,5% para os negros segundo o IBGE. E a maioria vive de contratos precarizados, serviços terceirizados, trabalhos informais e temporários. Enfrentando as consequências de medidas de ajuste fiscal que congelam qualquer investimento nas políticas públicas durante 20 anos, cortes de direitos e ataques à Previdência Social e trabalhista.
A política de austeridade e reformas da Previdência, vem sendo desenvolvida por diversos governos anteriores, como FHC, Lula e Dilma. Atualmente Temer está a frente como um franco-atirador da burguesia, para aprovar reformas que Dilma não tinha mais forças para impor.
A Reforma Trabalhista, preparada para ser votada antes da Reforma da Previdência, atingirá de forma mais impactante os negros. Eles que já enfrentam em condições de subemprego, baixa remuneração, ficarão ainda mais vulneráveis, sem proteção alguma. O propósito desta reforma é flexibilizar a mão de obra e trabalho, permitindo que o patrão, possa demitir sem justa causa e manter baixos os salários.
A Reforma da Previdência abrange hoje cerca de 58% da população economicamente ativa. São 22 milhões de benefícios: pensões, aposentadorias e funcionalismo público, ou seja, a Previdência constitui importante instrumento para os trabalhadores quando perdem temporariamente ou permanentemente a capacidade de trabalho. Ela assegura o direito aos trabalhadores em casos de invalidez, seguro-desemprego, pensão por morte, amparo aos deficientes e idosos.
Com a PEC 287 que aumenta a idade de aposentadoria entre homens e mulheres para no mínimo 65 anos com contribuição de 49 anos para receber o benefício integral; iguala a idade entre homens e mulheres, trabalhadores urbanos e rurais e entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada.
Não se leva em conta as diferenças salariais, jornadas e condições de trabalho desiguais. Para os trabalhadores rurais, por exemplo, a proposta é anular a aposentadoria sem contribuição, ou seja, o trabalhador terá que necessariamente contribuir com a Previdência para receber um benefício, desvinculado do salário mínimo, aumentando ainda mais a pobreza.
Os trabalhadores rurais, em sua maioria negra, são assalariados temporários, da roça, boias-frias, quilombolas que começam a trabalhar precocemente antes dos 14 anos em jornadas extensivas de trabalho e em condições degradantes e perigosas. A maioria não tem direito a férias e não tem produção durante o ano todo, o que dificultaria a contribuição ao INSS de forma ininterrupta.
As mulheres negras que iniciam a vida laboral cedo e na informalidade, recebem menos no mercado de trabalho, são sobrecarregadas, trabalham muito mais no trabalho doméstico e no trabalho rural, ocupam postos de trabalho precários serão ainda mais vitimadas.
As trabalhadoras domésticas, por exemplo, que ainda não tiveram regulamentados direitos como: seguro-desemprego, indenizações em demissões sem justa causa, salário-família, adicional noturno, auxilio creche e seguro contra acidentes de trabalho, continuarão em situação de vulnerabilidade.
O magistério, profissão exercida em sua maioria por mulheres, perderá a aposentadoria especial, além de que os benefícios poderão ser pagos abaixo do salário-mínimo.
Pesquisas do IBGE (2014) apontam que as mulheres negras chefiam 39,8%, das famílias. Há diversas famílias inteiras que este benefício é a única renda, portanto diminuir seu valor, bem como dificultar a aposentadoria, desempara gravemente essa parcela significativa da sociedade.
Não há capitalismo sem racismo (Macolm X)
A política de ajuste fiscal, imposta por vários governos no mundo, é resultado do capitalismo em sua fase parasitária e destruidora. Entre cinco a sete países no mundo vivem da superexploração dos trabalhadores, por isso a luta contra o racismo é também contra o capitalismo, aliás desde a sua origem o capitalismo cometeu o maior crime da história – escravizar negros e índios. Criou e disseminou teses racistas sobre a inferioridade negra, além de transformar, juntamente com seus governos, a população em sujeitos de segunda classe.
O enfrentamento a essa situação imposta sempre existiu por parte dos negros, resistência e luta é a característica deste povo. Na atual etapa de luta de classe, as lutas contra a opressão racial no mundo estão crescendo: levantes nos EUA (Baltimore), na África do Sul, na França e no Brasil.
São diversas lutas, ainda difusas, com conteúdo forte de que a saída não é o capitalismo. Por isso urge a necessidade de reparações sociais, são demandas históricas pendentes que exigem do Estado emprego e renda, moradia digna, transporte, saúde e educação pública, gratuita e de qualidade. Enfim, neste 21 de março é preciso refletir sobre a saída coletiva contra esse brutal ataque que enfrentamos hoje.
Reparações Já!
Por uma sociedade socialista sem racismo, machismo e homofobia!
Contra as Reformas da Previdência e Trabalhista !
Fora Temer e Todos os Corruptos!
Greve Geral Já!
*Este texto é uma contribuição de Claudicea Durans, professora do IFMA e dirigente do SINASEFE.
Ouça também o programa Viva Maria, da EBC Serviços, especial sobre o tema.