Postagem atualizada em 30/05/2017 às 12h30
A Direção Nacional (DN) do SINASEFE preparou uma análise de conjuntura para diálogo com as bases do nosso sindicato sobre o atual momento de crise política por qual passa o Brasil.
Confira o texto logo abaixo:
Não há mais vagas em cima do muro
As revelações feitas pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, da chamada “Friboi”, no último dia 17 de maio, tiveram um efeito qualitativo sobre a correlação de forças políticas, abrindo um novo cenário no qual os desdobramentos podem ainda não estar muito claros. Esse texto é tão somente uma tentativa da DN do SINASEFE em fazer uma primeira reflexão sobre esse novo momento.
Em primeiro lugar, é importante registrar que a crise que vivemos envolve elementos de curto e longo prazo, de grande e pequena política. Por curto e longo prazo, refirimo-nos às consequências imediatas, que podem acarretar a queda do então impopularíssimo governo Temer, o que pode ser mais ou menos rápido e à permanência ou não da agenda de reformas e contrarreformas que no seu bojo apontam para um nome tipo de Estado nacional. Todavia a questão sucessória, se pela via constitucional ou por uma solução de compromisso que envolva eleições diretas ou gerais é questão ainda em aberto cujo desfecho vai depender não apenas das articulações de bastidores entre as forças que hoje compõe o governo e sua oposição, como também da força dos movimentos sociais e aprofundar seu processo de unidade e obrigar à realização de novas eleições. E isso é o que pode constituir uma derrota decisiva das forças que articularam o golpe de Estado que levou Temer ao poder e dos pontos mais duros de seu projeto de Estado. O nome que suceder a Michel Temer pode ser tão somente um mandato tampão, sem força política de fato, ou pode refletir uma nova composição de forças de projeto de governo sensivelmente diferente. E ao se falar de projeto de governo, se fala também em grande e pequena política. Entendendo a primeira como a possibilidade de um conjunto de medidas que visem alterações qualitativas na estruturação do Estado, para o bem ou para o mal, ou simplesmente um jogo interminável de manobras de bastidores, agravadas ou não pelo evoluir da crise política que tem dinâmica própria e cujo aguçamento depende em grande medida das delações individuais. Não podemos prever quando e contra quem uma nova delação será feita, nem suas repercussões, fato que contribui para um cenário de incertezas que pode ultrapassar o calendário eleitoral de 2018.
A primeira coisa a refletir sobre as denúncias e seus significados imediatos é que a batalha contra a corrupção foi desde a redemocratização até por volta do ano 2006, pauta do movimento de esquerda. A eleição do PT, em 2002 tinha muito dessa pauta, do desejo de que não se voltassem a repetir as falcatruas nunca investigadas como então se sucedia com os governos anteriores. Mas a partir da “crise do mensalão”, temos visto continuamente a bandeira da luta contra a corrupção ser apropriada pela direita, incessantemente e de forma cada vez mais elaborada, essa apropriação resultou no impeachment da presidente Dilma no ano de 2016 e até bem recentemente estava sendo operada dentro do objetivo de desgastar ou até mesmo inviabilizar uma eventual candidatura Lula em 2018.
Vale a pena abordar aqui algo sobre a corrupção e seu combate, ainda que brevemente. Em primeiro lugar, é preciso registrar que o número de operações da Polícia Federal durante os anos de governo do PT foram 2.226 contra apenas 48 realizadas durante os anos de governo do PSDB, segundo levantamento da ONG Transparência Internacional. Parece fora de dúvida que o combate a corrupção esteve mais presente nos governos do PT que nos do PSDB. Também é de se destacar que o Procurador Geral da República durante praticamente todos os anos de governo de Fernando Henrique, o senhor Geraldo Brindeiro, tinha o sugestivo apelido de “o engavetador”. Também é digno de nota, que durante todo o tempo do governo do PT, se nomeou o primeiro na lista entre os candidatos mais votados para esse cargo, procedimento que recentemente o governo Temer ameaçou de não continuar seguindo. Parece até que o governo do PT, em seu mérito de permitir atuação mais livre da Polícia Federal e do Ministério Público resultou em nada menos que a ação dessas instituições contra suas próprias faltas, como o domador que resolve dar liberdade aos leões só para se tornar depois a sua caça. Pois, se exageradas, manipuladas ou não, as denúncias feitas contra as gestões de Lula e Dilma não foram simplesmente inventadas. O que temos visto na última década é tão somente a excitação da opinião pública contra a onda de corrupção dos governos do PT, não é raro ouvir que estamos diante dos maiores escândalos de corrupção da história do país. E realmente, isso pode ser verdade. Vivemos os maiores escândalos simplesmente porque os maiores processos de corrupção jamais foram investigados e nunca se transformaram em escândalos. A população tem sido entorpecida por uma sanha de moralidade e anticorrupção, e os resultados disso são múltiplos, talvez o mais nefasto deles seja o estabelecimento do conceito de que o “PT é corrupto porque é de esquerda”. É uma sentença simples, cheia de problemas e imprecisões, não obstante podia ser verificada até a bem pouco tempo expressa por milhões de pessoas, nas filas de banco, nas padarias, nas redes sociais, etc. Durante os últimos onze anos, temos visto não apenas denúncias de corrupção contra o PT. Quem não se lembrará do mensalão tucano, da construção de um aeroporto nas terras do avô de Aécio, da conversa entre Jucá (então líder do governo Temer no Senado) e delator Humberto Machado? Todavia essas denúncias, mesmo feitas, eram rapidamente postas em segundo plano, e todas as atenções eram dadas ao apartamento triplex do Guarujá, do sítio em Atibaia e qualquer outra denúncia que servisse ao propósito de atacar Lula e o PT. A recente delação de Joesley Batista teve o efeito de, ao menos momentaneamente, inverter essa tendência. Também existem fatos da delação que envolvem membros do PT, mas o foco das atenções dessa vez é o governo Temer, ou seja a direita.
Há uma outra observação a ser feita na política de denúncias que ora presenciamos. O discurso anticorrupção é com muita frequência utilizado para anestesiar as massas e tentar passar como necessário um determinado projeto econômico, calcado num conjunto de medidas que promovam o aprofundamento da exploração do trabalho, na diminuição de direitos, privatizações, perdão de dívidas para grandes investidores e corporações, diminuição de investimentos em serviços públicos, etc. Importante registrar que embora a grande massa tenha comprado em grande medida o discurso de que o PT é corrupto e a esquerda é corrupta, o projeto econômico oferecido pelos defensores da moralidade e da honestidade jamais logrou consenso social. Muito pelo contrário, as multidões que foram às ruas em passado recente pelo impeachment não se mostraram favoráveis nem à reforma da previdência, trabalhista, nem a PEC 241 ou qualquer outra medida. Mesmo a alegada aprovação de 70% à reforma do ensino médio só pode ser aceita com muitas aspas, dado o grande desconhecimento da população sobre o assunto e à manipulação de pesquisas. Essa breve reflexão nos conduz a uma primeira conclusão simples, mas de muita significância. Os grupos econômicos que até agora sustentaram o governo Temer, se tiveram sucesso relativo em afastar o governo anterior, não conseguiram em momento algum, hegemonia social para seu projeto político. Embora a boa vontade do aglomerado midiático, a popularidade do governo Temer sempre foi sofrível, assim como impopulares foram todas as suas medidas. A grande discussão nesse momento é se a figura de Temer continua a ser funcional à implementação desse processo, e em caso negativo, quais são as alternativas.
Importante notar que as reformas de Temer esboçam uma descarada política de concessões à vários setores do capital. A PEC 241, depois PEC 55 e finalmente emenda constitucional 95, constitui nada menos que a diminuição brutal dos investimentos públicos em suas funções essenciais (saúde, educação e demais serviços sociais) em detrimento de um volumoso aumento de transferência de verba pública para o sistema financeiro. A Reforma da Previdência vai no mesmo caminho. A Reforma Trabalhista e a aprovação das terceirizações como atividades fins atende em especial o capital produtivo, permitindo aumentar exponencialmente a exploração sobre o trabalho, a concentração de renda e consequentemente a extração de mais valia. Alguns analistas já começam a dizer que as reformas são importantes, mas que há espaço para concessões e que as declarações de Henrique Meireles (também implicado no escândalo) de que ou elas são aprovadas ou o país quebra, são exageradas. Não há em momento algum na cobertura da crise política, qualquer indicação que o capital abrirá mão de suas reformas, mas já há sinais de tímidos recuos. E nos bastidores dessa discussão pode estar sendo decido o nosso futuro.
Os meios de comunicação não existem para informar, mas para convencer, para fazer o discurso hegemônico, e se isso é verdade para toda a imprensa em qualquer país, no Brasil o é com ainda mais força. Fato é que nesse momento há uma pequena cisão nesse bloco midiático. Há um setor que claramente aponta para a necessidade da queda de Temer com a Rede Globo à frente (que tem na JBS uma das principais anunciantes), e outro setor que busca a todo custo deslegitimar as denúncias e manter Temer à frente do governo. Essa divisão não é de forma alguma permanente, não é impossível que a qualquer momento se chegue a um acordo de manter o atual governo e o foco das denúncias volte a ser Lula e o PT. O fiel da balança para a queda do atual presidente é, como dito acima, sua funcionalidade para a aprovar as medidas ansiadas pelo capital. Não por acaso, nesta segunda, dia 22, em meio a toda crise política, o governo Temer perdoou uma dívida de mais de 25 bilhões do banco Itaú, e que na terça, dia 23 seus representantes no Senado tenham atuado para fazer avançar a reforma trabalhista. Caso Temer consiga avançar com essas reformas, a boa vontade do capital para com ele pode voltar, caso seja derrotado, sua queda será iminente.
O movimento social, entendido como o movimento sindical em todas as suas centrais e também todos os movimentos sociais têm um ponto de unidade: o “Fora Temer”. É possível que nesse momento um setor amplamente majoritário também defenda o não às reformas e também o pleito de eleições diretas (para presidente) e mesmo eleições gerais (presidente e congresso nacional). Mas não nos enganemos, está aberta a possibilidade de uma solução de compromisso. Quanto mais forte for a pressão para a queda do governo e para as eleições gerais, maior será a disposição do capital em articular uma solução que lhes resguarde ainda que parcialmente, seus interesses. Não devemos ter dúvidas que enquanto gritamos “Fora Temer” e falamos em ocupar as ruas, saídas estão sendo pensadas.
E é justamente as dificuldades que envolvem a construção dessa solução de compromisso que constituem os nós desse momento da conjuntura política. Nesse ponto a pequena política incide com muita força. Há o evidente interesse do capital em superar a crise e avançar nas reformas de seu interesse, ainda que com concessões parciais. Mas há também os interesses de seus representantes e de setores determinados da burguesia que influenciam no jogo. O indivíduo Michel Temer há de utilizar todo o poder que sua posição lhe confere para não ser afastado e sobretudo não ir parar na cadeia. Assim como existem dezenas de deputados e senadores implicados em esquemas de corrupção que também querem se safar. É isso que leva a que o presidente da Câmara (por acaso o próximo na linha de sucessão) resista com todas as forças a acatar qualquer dos treze pedidos de impeachment que já foram feitos. O recente decreto de Temer requisitando as forças armadas para segurança da capital federal, isso depois de se reunir longamente e por várias vezes com a cúpula do oficialato, foi uma ação muito simbólica no sentido de demonstrar até onde está disposto a ir para se salvar. Não pensamos que em um curtíssimo prazo uma intervenção militar esteja na ordem do dia. Mas não avaliamos como uma possibilidade descartada, especialmente se a crise política (que conforme já observado, não tem controle) vier a comprometer um número ainda mais elevado de parlamentares, retirando do congresso qualquer legitimidade para apontar uma saída institucional.
Está previsto para o próximo dia 6 de junho, o julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer. Essa pode ser a saída menos traumática para o capital, Temer seria afastado, Rodrigo Maia assumiria interinamente e um mandato Tampão seria eleito indiretamente. Não por acaso, toda a cobertura da mídia aponta para a possibilidade de eleições indiretas, em momento algum falam de eleições diretas e muito menos de eleições gerais. Outra possibilidade é aceitação de algum dos pedidos de impeachment. Nesse caso, o processo duraria alguns meses, até que a defesa de temer e seus capachos do congresso esgotassem todas as possibilidades de manobras e protelamentos. Nessa hipótese a temperatura da crise política pode até arrefecer, mas a tendência é justamente a oposta, de elevação da crise até patamares imprevisíveis. Em a chapa sendo mantida, ou sendo permitido que Temer recorra e possa contar a morosidade da justiça e nenhum pedido de impeachment seja aceito, a crise não encontrará saída. Na melhor das hipóteses o governo não aprova mais nada e todos os seus aliados sofrerão uma enorme derrota nas eleições do ano que vem. Na pior das hipóteses poderemos viver até um fechamento do regime. A situação se torna ainda mais preocupante porque não temos como prever o surgimento de novas delações, algum novo fato que venha a sacudir ainda mais a conjuntura ocasionado por exemplo, por alguma delação de Eduardo Cunha. A saída mais rápida e menos traumática seria a renúncia de Temer, mas esse indivíduo não fará isso sem garantias pessoais, que certamente também estão sendo negociadas. Em todo o caso, não nos parece para os próximos dias a possibilidade mais provável.
O afastamento de Temer via TSE e a eleição indireta de um mandato tampão também não é um processo fácil. O nome mais cotado pelo PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já deu declarações que não está disposto à tarefa, Joaquim Barbosa também se manifestou nesse sentido. Não vai ser fácil encontrar um nome forte para a assumir a presidência nesse cenário turbulento, os riscos de desgaste serão imensos. Setores ligados ao capital já estão ensaiando um discurso de governo de unidade nacional, encabeçado por um nome do judiciário (Joaquim Barbosa, Carmem Lúcia, Aires Brito, Nelson Jobin, entre outros) com uma composição ministerial que agregue tanto nomes da atual oposição como da situação e uma agenda moderada de reformas até às eleições de 2018. Pode ser que essa seja a saída mais provável, mas nada está garantido.
A grande questão é que as propostas do governo Temer são tão drásticas, que um setor cada vez maior da opinião pública tende a achar que de fato não existiam ações neoliberais no governo anterior. Até agora, no compasso da crise política iniciada em 17 de maio, o PT tem sido o maior beneficiário, com grandes possibilidades de dividendos eleitorais, mas é claro tudo isso pode se desmanchar em instantes a depender da evolução da crise política. Nesse sentido, o ponto de pressão não deve se restringir apenas ao bloco do capital que detém nesse momento o poder, mas também às direções sindicais que têm na defesa incondicional do governo anterior e na manutenção das burocracias seu sentido de atuação. A resistência das burocracias sindicais, especialmente a CUT e a Força Sindical em marcar data para uma nova greve geral é sintomática. Não querem passar na frente de seus braços parlamentares e prejudicar o andamento das conversas de bastidores. Acrescente-se a isso a ameaça do governo Temer de suspender o imposto sindical, aquele pago compulsoriamente, independente de filiação. A CSP-Conlutas é contra existência desse imposto, o SINASEFE, o Andes-SN, a Fasubra e praticamente todos os sindicatos de luta não recolhem, por princípio, esse imposto. Mas esse mesmo imposto sustenta uma quantidade muito grande de burocracias ligadas às grandes centrais sindicais. Estima-se que só a CUT teria uma baixa de cerca de 12 milhões caso esse imposto deixasse de existir. Só podemos considerar uma traição inominável negociar com o governo golpista a greve geral em troca desse dinheiro.
É preciso que tenhamos claro que não basta a queda do governo Temer e nem apenas a paralisação das reformas da previdência e trabalhista. Se fossem só esses nossos objetivos, nem precisaríamos nos preocupar tanto com mobilização e greve geral, bastaria esperar algumas semanas para que caísse de podre todo esse achincalho de políticos golpistas. Mas a verdade é que o governo Temer aprovou a emenda constitucional 95, que há de destruir o funcionalismo público nas próximas duas décadas, se não derrubada. Precisamos reverter o projeto de lei que estendeu as terceirizações às atividades fins, garantir a auditoria pública da dívida com participação dos movimentos sociais, a derrubada da Reforma do Ensino Médio etc. Em suma, exigimos medidas que reorientem as medidas de Estado num sentido diametralmente opostas das que temos. E nesse momento tudo está em jogo. Ainda estamos sob riscos de derrotas históricas que significarão literalmente nossa destruição num médio prazo. Podemos também assistir ao retomar de uma linha de frente popular que também retirarão nossos direitos, ainda que de forma mais gradual. E podemos também impor uma nova agenda, reverter os ataques contra nós desferidos e pôr fim de uma vez por todas aos ataques neoliberais. Exatamente por isso, vivemos a um só tempo um momento grave e de esperança. É preciso que tenhamos todos nós plena ciência de nossa responsabilidade histórica, as próximas gerações hão de nos julgar pelas decisões que tomarmos agora. Se podemos ter certeza de uma coisa apenas, é que não podemos retroceder.
Greve geral já!
Fora temer e eleições Gerais, nenhum direito a menos!
Download
Baixe aqui esta análise de conjuntura em formato PDF.
Conteúdo relacionado