Semana de debates: professor comenta militarização no DF

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Semana de debates: professor comenta militarização no DF

Postagem atualizada em 03/04/2019 às 20h31

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Durante a Semana de debates Contra a Militarização da Educação, o SINASEFE divulgará entrevistas sobre o tema com trabalhadores e militantes que atuam em escolas militarizadas e/ou que estudam a temática. Nesta quarta-feira (03/04), confira a entrevista com João Felipe, professor da rede pública do DF.

João Felipe de Souza, 33 anos, é professor da rede pública de ensino do Distrito Federal. Tem formação em Pedagogia e mestrado em Educação. Também é militante da Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora.

1) Travestida de neutralidade, há uma ideologia de militarização da vida e que hoje passa necessariamente pela militarização da educação. Essa ideologia, que se coloca como neutra, combate a atuação dos educadores. Enquanto educador, como você percebe os efeitos deste processo de militarização no cotidiano dos profissionais da educação? Pode comentar como se deu a militarização no DF?

Aqui no Distrito Federal, no início de 2019, o governador Ibaneis Rocha e seu secretário de educação Rafael Parente impuseram goela abaixo uma intervenção militar em quatro escolas públicas: Centro Educacional 03, em Sobradinho, Centro Educacional 07, em Ceilândia, Centro de Ensino Fundamental 308, no Recanto das Emas e Centro Educacional 01, na Estrutural.

O ano letivo começou mais uma vez com inúmeros problemas de infraestrutura e falta de recursos financeiros. Muitas escolas sequer receberam a última parcela do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) e os prédios, sem manutenção adequada, continuam deteriorados. Ainda assim, o governador Ibaneis, em vez de viabilizar as verbas e a necessária estrutura para os centros escolares, impôs um projeto de militarização das escolas públicas no DF, alegando altos índices de violência escolar e baixo rendimento no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em determinadas unidades.

A medida obscura e autoritária, não passou por qualquer discussão ou trâmite legal. Esse projeto de militarização no DF, inclusive, fere a lei de gestão democrática e pedagogicamente é uma tragédia, pois desconsidera os pressupostos teóricos do currículo da rede pública de ensino. O projeto do governo distrital é ampliar esse modelo de militarização para mais de 36 escolas até o fim do ano e ter 200 escolas militarizadas até o encerramento do mandato. O GDF destinará R$ 200.000,00 para cada uma dessas escolas, além de garantir a presença de 20 a 25 policiais militares que estavam afastados por problemas médicos.

Nessas escolas militarizadas, existe perseguição aos professores, sobretudo aos professores que lutam por direitos e melhores condições de trabalho. Há relatos de que os profissionais não conseguem sequer conversar nas salas de professores, por sentirem-se sob vigilância. Os militares estão na gestão, o que aumenta a coerção sobre os docentes, provocando, inclusive, medo de dialogar com o sindicato. Várias escolas militarizadas empregam apenas professores de contrato temporário para que possam exercer melhor seu controle sobre os trabalhadores.

2) Em relação aos estudantes, e a violência simbólica a que estão submetidos, qual sua análise sobre os efeitos deste modelo de ‘gestão militarizada’ implementado pelo governo do DF (a curto, médio e longo prazo)?

O governo também “sugeriu” o pagamento de uma taxa para APAM (Associação de Pais e Mestres) no valor de R$ 50,00. Além dessa taxa, que é uma mensalidade disfarçada, é necessário comprar o uniforme militar (enxoval). São valores que os pais não tem condições de pagar e nem devem, pois a escola é pública e gratuita. Em alguns estados onde a militarização foi implementada, o custo desse enxoval gira em torno de R$ 700,00 a R$ 900,00.

Assim, a militarização das escolas exerce uma violência econômica e simbólica que exclui os filhos da classe trabalhadora. Trata-se de um modelo de educação baseado no medo e na padronização de pensamentos e comportamentos. Isso se expressa na exigência de corte de cabelos e penteados, no fardamento, e na absurda imposição de postura física de subserviência (como andar de cabeça baixa e mãos para trás).

Além disso, essa gestão militarizada abre espaço para futuras Parcerias Público-Privadas (PPPs), ou seja, num futuro breve entidades privadas podem tomar conta da gestão escolar e da contratação de professores com baixíssimos salários. É necessário barrarmos a implementação desse projeto!

3) A questão da violência que toma conta dessa sociedade não é resolvida com repressão ou militarização, que acaba por intensificar a violência social, apenas apresentando como alternativa a truculência do Estado e a contra-reação a ela. Neste sentido, o diálogo com as famílias dos estudantes e a comunidade também se coloca como um desafio, como, na sua opinião, é possível avançar neste diálogo?

Sim, é necessário dialogar com as famílias dos nossos estudantes, mulheres e homens trabalhadores. O que está em jogo é a qualidade da educação dos nossos estudantes e o futuro da nossa profissão. Desse modo, nós professores não aceitaremos truculência e intimidação da intervenção militar.

Sabemos que os problemas de violência não serão resolvidos com uma intervenção militar. Quais são as condições que policiais afastados por problemas de saúde (físicos e psicológicos) têm para lidar com estudantes? O que precisamos é de infraestrutura adequada, materiais pedagógicos, formação permanente dos profissionais, contratação de professores efetivos, orientadores educacionais, pedagogos e psicólogos, fortalecimento da gestão democrática e reajuste salarial.

O governo usa de forma oportunista o discurso da violência para ganhar bônus político de uma forma barata e midiática. Se estivessem efetivamente preocupados, ampliariam o investimento em educação como um todo. Casos de desrespeito, indisciplina e integridade física de estudantes e docentes devem ser resolvidos pelos próprios trabalhadores da educação com a participação da comunidade escolar.

4) Trabalhadores da Educação em todo país enfrentam as mesmas dificuldades cotidianas. Como você percebe a importância da luta desta categoria no atual contexto de ataques?

Sabemos da realidade precária que encontramos nas escolas públicas e do esforço dos trabalhadores da educação para oferecer um ensino de qualidade aos estudantes. O alto grau de adoecimento físico e psicológico mostra o quanto trabalhamos e as péssimas condições que encontramos. Além da militarização, é necessário lutarmos juntos contra a reforma da previdência.

Esse é o massacre do desumano governo de Bolsonaro! Menos salários, menos direitos, mais violência e mortes. As reformas e o sucateamento dos serviços públicos pioram cada vez mais as nossas condições de vida e de trabalho. É necessário estarmos firmes para lutar contra mais essa tentativa de retirar os nossos direitos!

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