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Carta Aberta sobre a Minuta de Regulamentação da Jornada Docente

Postagem atualizada em 20/10/2022 às 15h47

Nós, servidores do campus São Luís Maracanã do IFMA, vimos a público manifestar nossa posição coletiva sobre a minuta que visa regulamentar as atividades docentes pertencentes à carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), após audiência realizada nos dias 29 e 30 de setembro, em nosso campus.

É importante salientar que a presente minuta de uma nova Resolução pretende substituir a Resolução 067, com base na Portaria 983/2020 emitida pelo então ministro Milton Ribeiro, em fins de 2020, num contexto de emergência sanitária, social e educacional produzido pela pandemia, a fim de operacionalizar as atividades do ensino remoto, tais como ocorreram até o início deste ano. Este aspecto por si só chama a atenção pela escolha política da reitoria em tentar regulamentar a atividade docente com base em uma medida de exceção oriunda de um contexto igualmente excepcional e torná-la agora regra do “novo normal”. Esta escolha reflete dois aspectos:

  1. a tentativa perene, nos últimos dez anos no IFMA, de regulamentar a jornada docente com base em dispositivos e normativas que, tal como a Portaria 983/2020, não tem força de Lei para obrigar ou desobrigar a fazer, pois não custa lembrar aquela garantia constitucional que o poder burocrático quer apagar na força da canetada discricionária: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inciso II, Constituição Federal). Como consequência, cria-se uma cortina de fumaça entre a efetiva legalidade que serve de base e diretriz à atividade docente e as normativas advindas ora do Ministério da Educação (MEC), ora do Ministério da Economia (Instrução Normativa nº125/2020 sobre Ponto Eletrônico), introduzindo com isso uma sub-reptícia equivalência entre lei e as portarias, notas técnicas, medidas provisórias, instruções normativas etc, que, como insistiremos, não tem força de lei e amiúde estão em choque com os diplomas legais que regem nossa atividade;
  2. a sujeição política da reitoria à agenda fascista e neoliberal de um governo que esvaziou completamente o MEC, retirando-lhe qualquer papel de planejamento ou direção que não estejam ligados tão-somente à sua linguagem da destruição.

O enredo desta tática política ganha a forma de um açodamento jurídico-normativo, onde o “o ordenamento jurídico vigora porém suspenso num limbo jurídico de redefinições inconclusivas e ad hoc”, a forma de exceção feita sob medida para um conteúdo que visa alcançar o estágio mais atual do controle e dominação da força de trabalho, que o filósofo Paulo Arantes denomina de subsunção ou subordinação total¹, na medida em que o capital não quer mais apenas a força de trabalho, quer “o cara inteiro”. Neste aspecto, não surpreende que o Grupo de Trabalho responsável pela Minuta, formado por portaria do reitor em 6 de julho do corrente ano, a tenha apresentado em tão curto tempo, estabelecido um período ínfimo para contribuições por via digital e para debate público em audiências, um prazo exíguo para torna-la nova Resolução, tudo isso durante o interstício temporal breve e intenso das eleições mais complexas da vida nacional e que têm absorvido a atenção geral da sociedade brasileira, e dos trabalhadores da educação em particular. Parece bastante com aquela famosa tática de “passar a boiada” enquanto a atenção está voltada para outro assunto.

A Portaria 983/2020 possui um conteúdo intervencionista, relacionado ao contexto de exceção que lhe dá nascimento. Os principais aspectos que merecem atenção são: aumento da jornada de trabalho docente, ao estabelecer novos índices de carga horária (mínimo de 14 horas, enquanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação fixa o mínimo de 4 horas de efetivo exercício em sala de aula, em seu artigo 34); indiferenciação e equivalência entre o ensino presencial e o ensino a distância, abrindo espaço para que o segundo possa sobrepujar o primeiro; estabelecimento de instrumentos totalitários de controle, dominação e vigilância do trabalho docente na forma do Plano Individual de Trabalho (PIT) e do Relatório Individual de Trabalho (RIT), a serem realizados semestralmente e que passam a condicionar aspectos cruciais da vida funcional do servidor, como progressão funcional, remoção, estágio probatório, participação em editais, dentre outros; por fim, abre a possibilidade de instituição do controle por ponto eletrônico. Trata-se de uma Portaria em disputa, que está sendo juridicamente questionada na luta sindical (SINASEFE e Andes-SN), parlamentar (Projeto de Decreto Legislativo 484/2020 – busca sustar a Portaria 983/2020)² e pelo próprio Conif.

A minuta reproduz as distorções colocadas pela Portaria 983/2020, bem como reforça o apetite tecnocrático de controle, vigilância e punição da força de trabalho docente, esvaziando o caráter eminentemente qualitativo de sua atividade e reduzindo-o ao exercício protocolar, quantitativo e inespecífico da jornada de trabalho. Trata-se de uma indisfarçável violação e afronta ao princípio da natureza peculiar do trabalho docente (a um só tempo quanti-qualitativo mas impossível de ser objeto de rígida mensuração), à autonomia didático-pedagógica docente, buscando submetê-lo à nova disciplina neoliberal do trabalho regida pelo quantum e por um produtivismo doentio, pela extração crescente de mais-trabalho e pela completa subtração de sua autonomia e liberdade em um quadro de sujeição do trabalhador à máquina (em nosso caso, o SUAP), nesse redivivo fenômeno de “apendicização” do trabalhador à máquina já constatado pelo pensamento social ainda no calor da primeira Revolução Industrial no século XIX.

A intenção flagrante é a tentativa de preenchimento integral das 40 horas laborais, e sua subordinação, controle e vigilância mediante meios tecnológicos afinal controlados por uma casta burocrática que finge não ser política mas apenas “técnica”. A minuta promove uma equiparação não conceitual entre as atividades de ensino, pesquisa, extensão e administrativas, isto é, não figura a atividade de ensino como prioritária, aquela que preside atividade docente e a atividade-fim da instituição no sentido da formação humana almejada. Introduz uma obrigatoriedade acerca da pesquisa e da extensão que vão além daquilo que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), onde estes elementos figuram como uma orientação filosófica e política e não como uma obrigatoriedade positiva e coercitiva.

Uma palavra chama a atenção por não frequentar qualquer momento do documento como parte da atividade docente: estudos. A palavra “preparação” não a alcança nem de longe. Assim como ela, também não figura nenhuma palavra sobre a natureza do trabalho docente, sobre a sua autonomia didático-pedagógica ou ainda sobre o princípio da gestão democrática da escola. O não-dito e o silêncio também comunicam de modo gritante o espírito da letra da pretendida nova resolução.

Vemos com enorme preocupação o estabelecido pelo artigo 5º da Minuta acerca da equiparação entre aula presencial e “mediação pedagógica de componentes curriculares a distância”. Traz consigo a ideia implícita de que todas as restrições e critérios específicos para a instituição do ensino remoto não seriam mais aplicáveis, e que essa modalidade seria, inclusive, intercambiável com o ensino presencial, de forma livre e sem amarras. Deste modo, a normativa busca promover uma completa subversão do modelo educacional vigente, impondo a naturalização do ensino remoto como forma de pressionar os Institutos Federais a ampliar sua oferta de Educação a Distância (EaD) indiscriminadamente, sem qualquer critério e sem definição de parâmetros mínimos de qualidade.

Finalmente, como arremate da investida dos tecnocratas da reitoria, este espectro que está sempre a rondar o IFMA: a implantação do Ponto Eletrônico. A minuta propõe o “registro eletrônico de frequência” (artigo 38), também conhecido como Ponto Eletrônico, tendo como base o estabelecido no item 8.4 da Portaria 983/2020, em dobradinha com o Ministério da Economia e sua IN 125/2020. A Portaria diz respeito especificamente aos docentes da carreira do EBTT, deixando de fora as Universidades Federais (incluindo seus colégios de aplicação) e as Instituições Federais de Ensino ligadas ao Ministério da Defesa. Desde já, é importante deixar claro de que se trata de um ataque do governo federal especificamente a nós dos Institutos Federais. Este artigo fere a isonomia entre as carreiras do Magistério Superior e do EBTT, prevista no artigo 1º da lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal. Portanto, é necessário destacar que os Institutos Federais são equiparados às Universidades Federais, conforme consta no artigo 2º, parágrafo § 1º da lei 11.892/2008, descrito a seguir:

Artigo 2º Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei.
§ 1º Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e supervisão das instituições e dos cursos de educação superior, os Institutos Federais são equiparados às universidades federais (BRASIL, 2008, página 2, negrito nosso).

Na sequência, é possível destacar, no parágrafo 7, alínea “e” do Decreto nº 1.590/1995 a equiparação das carreiras dos professores do Magistério Federal:

§ 7º São dispensados do controle de frequência os ocupantes de cargos: (Redação dada pelo Decreto nº 1.867, de 1996)
a) de Natureza Especial; (Redação dada pelo Decreto nº 1.867, de 1996)
b) do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, iguais ou superiores ao nível 4; (Redação dada pelo Decreto nº 1.867, de 1996)
c) de Direção – CD, hierarquicamente iguais ou superiores a DAS 4 ou CD – 3; (Redação dada pelo Decreto nº 1.867, de 1996)
d) de Pesquisador e Tecnologista do Plano de Carreira para a área de Ciência e Tecnologia; (Incluído pelo Decreto nº 1.867, de 1996)
e) de Professor da Carreira de Magistério Superior do Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos. (Incluído pelo Decreto nº 1.867, de 1996) (BRASIL, 1995, página 7, negrito nosso).

Frente ao exposto, solicitamos:

  1. Imediato restabelecimento da legalidade no sentido constitucional explicitado por esta Carta, naquilo que é atinente à matéria da regulamentação das atividades docentes;
  2. Posição pública da Reitoria pela revogação imediata da Portaria 983/2020 do MEC e da IN 125/2020 do Ministério da Economia;
  3. Que qualquer Grupo de Trabalho da reitoria relativo à Jornada de Trabalho Docente deve prezar pela composição ampla e de base, e não apenas da PRENAE, e seguir uma metodologia efetivamente democrática, dispondo tempo e condições adequadas para o amplo debate público interno e a elaboração de uma Resolução que melhore e aperfeiçoe a atual Resolução 067.

Servidores do campus São Luís Maracanã do IFMA

Baixe aqui a Carta Aberta dos servidores do IFMA visível acima.

Conteúdo relacionado

¹ ARANTES, Paulo. Entrevista com Paulo Eduardo Arantes. Trans/Form/Ação, São Paulo, 31(2): 7-18, 2008.
² https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2265488