Notícias

Em meio à pandemia, Câmara vota contra trabalhadores e aprova MPV 905

Postagem atualizada em 12/07/2020 às 19h10

Nem a pandemia da COVID-19 e o estado de calamidade pública foram suficientes para sensibilizar a Câmara Federal a não atacar a classe trabalhadora: em sessão remota realizada na noite de ontem (14/04), deputados aprovaram (com 334 votos favoráveis, 137 contrários e 2 abstenções) a MPV 905/2019, que institui o chamado contrato de trabalho verde e amarelo.

A Medida Provisória, editada em novembro do ano passado, trouxe à legislação em vigência uma das propostas mais absurdas e perigosas defendidas por Jair Bolsonaro em sua campanha eleitoral de 2018, que é a de instituir uma subcategoria de trabalhadores no país, a qual vai realizar o mesmo trabalho que outros trabalhadores, com a mesma carga horária, e terá remunerações e encargos sociais e trabalhistas em menor valor – quebrando a igualdade prevista constitucionalmente e criando uma espécie de sistema de castas no mercado de trabalho.

Com essa aprovação de ontem pelos deputados, resta agora pressionar o Senado Federal para que o texto seja rejeitado na Casa. A MPV 905/2019 tem validade até o dia 20/04 e se não for aprovada até lá, perderá sua validade.

CTPS verde e amarela

O contrato de trabalho verde e amarelo foi criado pelo governo federal para reduzir encargos trabalhistas para as empresas. Há uma lenda que diz que ele foi criado para gerar empregos, assim como foi dito com a terceirização ampla e irrestrita (lei nº 13429/2017), com a Reforma Trabalhista (lei nº 13467/2017) e com a Reforma da Previdência (EC 103/2019). Desde que essas lendas começaram a ser contadas, contudo, o que temos assistido são os direitos dos trabalhadores se dissolvendo e o desemprego aumentando!

O contrato verde e amarelo vale para vagas de emprego que pagam até um salário mínimo e meio (atualmente R$ 1567,50). Num primeiro momento da sessão desta terça-feira (14/04), os deputados aprovaram o chamado texto-base. Em seguida, passaram à análise dos destaques – dos 12 destaques analisados, quatro foram aprovados (mais sobre eles abaixo).

O relator da MPV 905/2019, deputado Christino Áureo (PP-RJ), alterou alguns trechos da proposta do governo, dentre os quais:

  • elevação da contribuição patronal para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para 8% (como já é praticado) – o governo queria apenas 2%;
  • retirada da permissão de trabalho aos domingos e feriados;
  • aumento da multa do FGTS em caso de indenização por demissão;
  • retomada do recolhimento patronal para o Salário Educação.

Ponto a ponto

Saiba o que prevê a proposta aprovada pela Câmara Federal na noite de ontem:

  • os contratos se referem às vagas de até um salário mínimo e meio (R$ 1567,50);
  • até 25% dos trabalhadores das empresas podem ser registrados no contrato verde e amarelo;
  • as empresas com até 10 empregados poderão contratar dois trabalhadores sob estas condições;
  • a nova modalidade de contratação será realizada apenas para novos postos de trabalho, tendo como referência a média do total de empregados entre 1º de janeiro e 31º de outubro de 2019 ou a média nos três últimos meses anteriores à contratação (prevalecendo a que for menor);
  • empregadores não precisarão pagar a contribuição patronal ao INSS (de 20% sobre a folha);
  • não serão cobradas alíquotas para o Sistema S.

A MPV 905/2019 também prevê que:

  • o contrato poderá ser celebrado por até dois anos, se este período for superado passam a incidir as regras do contrato por prazo indeterminado previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);
  • os contratados poderão fazer até duas horas extras, com remuneração da hora extra de, no mínimo, 50% superior à remuneração da hora normal;
  • a contribuição ao FGTS fica mantida em 8% (o texto original previa 2%).

Trabalho aos domingos e feriados

A proposta aprovada retira a autorização para o trabalho aos domingos e feriados. O texto original autorizava o trabalho aos domingos e feriados, desde que o empregado tivesse um repouso semanal de 24 horas “preferencialmente” aos domingos.

A proposta do governo determinava que a folga coincidisse com o domingo no mínimo uma vez a cada quatro semanas para os setores de comércio e serviços; para a indústria, deveria coincidir uma vez a cada sete semanas.

Atualmente a regulamentação das categorias que podem exercer atividades laborais aos domingos e feriados é determinada por meio de uma portaria do Ministério da Economia. A MPV 905/2019 modificava a CLT para ampliar essa autorização para todas as categorias.

O texto aprovado mantém a autorização do trabalho aos sábados, domingos e feriados para telemarketing; teleatendimento; Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC); atividades de automação bancária; serviços por canais digitais; áreas de tecnologia, segurança e administração patrimonial; atividades bancárias excepcionais ou em áreas diferenciadas, como feiras, exposições, shoppings, aeroportos e terminais de ônibus, trem e metrô.

Periculosidade

Também foi retirado do texto o artigo que permitia que o empregador contratasse, mediante acordo com o trabalhador, seguro privado de acidentes pessoais – como morte acidental, danos corporais, danos estéticos e danos morais.

Pelo texto apresentado pelo governo, em caso de contratação do seguro, o empregador pagaria adicional de periculosidade de 5% sobre o salário-base – e não de 30%, como previsto em lei. O adicional de periculosidade também só seria pago em caso de exposição permanente do trabalhador – 50% da sua jornada de trabalho.

Seguro-desemprego

Outro item retirado foi a cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor do seguro-desemprego – suprimido desde 17/03 pela Comissão Mista da MPV 905/2019.

O texto enviado por Bolsonaro previa que esse desconto seria obrigatório. O argumento era de que a contribuição compensaria a perda de arrecadação com o programa.

O texto aprovado ontem torna esse desconto opcional. Se optar pela cobrança, fixada em 7,5%, o beneficiário poderá contar esse período na hora de calcular o tempo de contribuição para a aposentadoria.

Destaques

Durante a votação dos destaques, ficou aprovado:

  • permissão da antecipação de verbas trabalhistas, de forma proporcional, mês a mês (férias, 13º, FGTS). O percentual mínimo para dividir essas verbas tem que ser de 20% (destaque do PSL);
  • redução da multa do FGTS para 20% em caso demissão sem justa causa, excluindo a multa para demissões com justa causa (destaque do PSL);
  • esclarecimento da diferença entre dois instrumentos jurídicos distintos – o Termo de Compromisso, instrumento de fiscalização, e o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que trata de negociação coletiva dentro de ações civis públicas (destaque do Podemos);
  • retirada dos tributos sobre gorjetas (destaque do PP).

Inconstitucionalidade

Considerada inconstitucional desde novembro de 2019 por não se tratar de assunto de urgência, segundo o juiz trabalhista Germano Silveira da Siqueira (“MPVs não podem ser banalizadas, como se o Presidente da República resolvesse, de uma hora para outra, em gesto autoritário, descabido, fazer-se substituir ao Congresso Nacional, atropelando o processo legislativo em sua dinâmica política natural”), a MPV 905/2019 traz ainda em seu escopo algo ainda mais grave: ela segrega os trabalhadores brasileiros em castas, uma mais precarizada e outra menos precarizada.

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, proibe a diferença de salários para funções iguais (inciso XXX) e garante a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso (inciso XXXIV) – regras que estão sendo visivelmente violadas pela MPV 905/2019.

Download

Baixe aqui o texto da MPV 905/2019 aprovado pela Câmara Federal na noite de ontem (formato PDF, tamanho A4, 40 páginas).

Leia também

*Matéria escrita com informações do G1