Reforma AdministrativaNotícias

MPV 922/2020: contrato temporário ou Minirreforma Administrativa

Postagem atualizada em 12/02/2021 às 0h44

MPV 922/2020 promove Minirreforma Administrativa na medida em que deixa autorizada a contratação temporária em diversas áreas, incluindo pesquisadores, professores e profissionais de saúde, brasileiros ou estrangeiros, e pessoal da área de tecnologia (automação e digitalização de serviços públicos) ao longo de todo o mandato, contrariando princípios elementares da Administração Pública.

Para resolver uma situação emergencial – a longa fila de pedidos de aposentadoria do INSS e do Bolsa Família – o governo aproveitou a oportunidade para promover uma Minirreforma Administrativa, editando a Medida Provisória nº 922/2020, que escancara a contratação temporária, permitindo que o Poder Executivo, bem como outros poderes e órgãos, possam fazer contratações de pessoal sem concursos públicos e sem direito à estabilidade.

A MPV 922/2020 altera a lei 8745/1993, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, hipótese em que também se aplica à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União. Embora se destine prioritariamente ao Poder Executivo, nada impede que outro Poder possa valer-se da MPV para também contratar nas áreas mencionadas pela mesma modalidade de contrato.

Ampliação do escopo

A contratação temporária, que deveria ficar limitada às situações realmente de excepcional interesse público, teve seu escopo ampliado pela MPV 922/2020. De tal modo que alcança diferentes situações, sendo algumas dessas de caráter emergencial, e outras sem esse caráter, como as que estão associadas ao aumento temporário do volume de trabalho, como as atividades de tecnologia da informação, de comunicação e de revisão de processos de trabalho, incluindo a contratação de pesquisadores e técnicos para o desenvolvimento de produtos e serviços em projetos com prazo determinado, e até atividades relacionadas à redução de passivos processuais.

Se aprovada nos termos propostos, a ampliação da contratação temporária autorizada na MPV 922/2020, combinada com a terceirização irrestrita já em vigor desde o governo Temer, dá ao governo Bolsonaro plenos poderes para contratar temporariamente em diversos setores, prescindindo da contratação permanente. E, em muitos casos, até mesmo dispensando-o da realização de concurso público.

O recrutamento, no âmbito da contratação temporária, que ficará limitado aos poucos casos em que não for classificado como emergência, será feito por processo seletivo simplificado, sem concurso público, e, dependendo da área, o contrato temporário poderá ter duração de seis meses a quatro ou cinco anos, com possibilidade de prorrogação de um ano. Mas, em pelo menos um caso, os contratos poderão vigorar por até oito anos!

Entretanto, quando se tratar de calamidade pública, emergências em saúde pública, em crime ambiental, em questão humanitária e situação de iminente risco à sociedade, prescinde-se de processo seletivo, cabendo ao governo promover a imediata contratação, sem qualquer outra exigência de natureza legal.

Contratação de aposentados

Além disso, a MPV 922/2020 prevê que poderão ser contratados servidores aposentados para exercer atividades temporárias de excepcional interesse público, nas alargadas hipóteses propostas pela própria MPV.

Com isso, se rompe não somente com o princípio do amplo e livre acesso a cargos, empregos e funções públicas, e que não se coaduna com a reserva de vagas para quem tenha sido servidor público, como também se gera uma situação de exploração de servidores que, ao reingressarem, passaram a receber apenas 30% da remuneração a que faria jus outra pessoa não detentora daquela condição.

A analogia com a situação dos militares, que têm na lei 13954/2019, regulada pelo decreto 10210/2020, a previsão de que poderão ser contratados para o desempenho de atividades de natureza civil em órgãos públicos em caráter voluntário e temporário, fazendo jus a adicional igual a 30% da remuneração que estiver percebendo na inatividade, não serve como base a tal solução, pois a lei 13954/2019 é inconstitucional à luz do artigo 37, II da Constituição.

Nesse sentido, o procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União ingressou com representação para declaração de inconstitucionalidade da regra, que sequer atende ao artigo 37, IX da Carta Magna.

Em diversas ações de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que:

  1. os casos excepcionais estejam previstos em lei;
  2. o prazo de contratação seja pré-determinado;
  3. a necessidade seja temporária;
  4. o interesse público seja excepcional;
  5. e a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração Pública.

No caso de atividades permanentes, em que haja insuficiência de pessoal, ou mesmo no caso de criação de novos órgãos e/ou entidades, admite-se a contratação temporária, mas por prazo suficiente à formação de quadro de pessoal necessário, mediante a realização de concurso público (ADI 3068-DF, julgada em 2004).

No caso da MPV 922/2020, e sem respeitar os requisitos de validade para a contratação temporária, conforme definidos pelo Poder Judiciário, o que se tem é uma situação de discriminação em relação à situação de normalidade, em que quem é o contratado faz jus à remuneração integral, equivalente à de cargo efetivo similar ao cargo temporário ocupado.

O aposentado, ao ocupar a vaga que deveria ser provida por concursado, ou mesmo aberta à livre competição entre os interessados, no caso de processo seletivo para contrato temporário, estará recebendo menos de 30% do que seria devido, pelo mesmo trabalho.

Ausência de concurso público

O governo, portanto, aproveitou a edição da MPV 922/2020 para incluir todas as possibilidades de contratação de pessoal que necessite ao longo dos próximos anos, livrando-se da realização de concursos públicos e de contratações permanentes, e contratando pessoal sem estabilidade, o que aumenta a vulnerabilidade do servidor às pressões indevidas no exercício das suas atividades.

Deste modo, o governo Bolsonaro promove uma Minirreforma Administrativa na medida em que fica autorizado a contratar temporariamente em diversas áreas, incluindo pesquisadores, professores e profissionais de saúde, brasileiros ou estrangeiros, e pessoal da área de tecnologia (automação e digitalização de serviços públicos) ao longo de todo o mandato, e que contraria princípios elementares da Administração Pública.

*Matéria publicada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)