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Prisão e perseguição: Camila Marques comenta arquivamento de PAD

Postagem atualizada em 27/01/2021 às 12h34

Em meio a tantos ataques aos trabalhadores, o SINASEFE recebeu com alegria (no dia 08/01) a notícia do arquivamento de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nitidamente persecutório. A professora de Sociologia Camila Marques comenta na entrevista a seguir os episódios de violência que sofreu, o arquivamento do PAD e o papel central da mobilização de trabalhadores e trabalhadoras neste tipo de situação. “É sempre importante relembrar, especialmente nestes tempos fascistas, que nossa atuação se mantém baseada na autonomia dos educadores e na defesa da liberdade de cátedra, inclusive denunciando perseguições como esta que sofri. Nos mantemos de pé”, destaca Camila, que também é coordenadora geral do SINASEFE.

(SINASEFFE ) 1- Você enfrentou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) relacionado a um episódio lamentável em que foi vítima de violência e presa indevidamente em seu local de trabalho (campus Águas Lindas do IFG). Como foi esse episódio? Pode relembrar um pouco do que aconteceu?

Camila Marques – No dia 15 de abril de 2019, uma segunda-feira, ao chegar para o trabalho no campus, às 7h, a polícia civil estava no local. Eles estavam atuando de maneira extremamente truculenta com os estudantes, sem o acompanhamento de ninguém da gestão e nem qualquer outro servidor. Eu soube depois que o diretor teria realizado uma ocorrência policial contra alguns alunos devido mensagens que trocaram com suspeitas de atos que seriam praticados na instituição.

Durante o processo ficou claro que os estudantes estavam fazendo uma brincadeira e a instituição, naquele momento, já sabia que era uma brincadeira, tanto que aconteceram reuniões anteriores à esta data. Na sexta-feira (12/04/19) foi realizada uma reunião em que ficou constatada a brincadeira -infeliz- e estudantes foram advertidos.

Ainda assim, a direção optou por chamar a polícia e a deixou atuar como quis, da maneira como atua com a juventude periférica e negra: de forma violenta e truculenta. Percebendo essa postura, quando fui gravar e registrar os fatos, recebi o mesmo tratamento violento.

De início falaram que eu seria uma testemunha, depois, quando os questionei e me recusei a entrar numa viatura descaracterizada, sem identificação, fui agredida. Tomaram meu celular, me algemaram. Fui levada presa. Junto comigo ainda levaram mais três estudantes menores de idade, dentre eles uma adolescente do sexo feminino, ou seja, nós duas fomos abordadas de forma truculenta, em uma operação em que haviam somente homens.

2 – Por que você considera os procedimentos administrativos (sindicância e PAD) como atos de perseguição?

Ocorre que acusação para instauração do PAD foi de desobediência. Ora, eu estava apenas filmando a atuação policial truculenta. Importante dizer que é comum, muitas vezes, a própria polícia filmar as abordagens, então por que eu não poderia fazer a gravação naquele momento? Não estava filmando menores e não fiz qualquer divulgação. Além de ser uma orientação militante, é um direito filmar a abordagem, um policial chegou a consentir a gravação, e depois disse que meu celular seria apreendido e eu levada como testemunha por filmar.

Em outro momento, quando eu estava sendo conduzida como testemunha, foi que vi que três estudantes estavam sendo levados, nesse momento questionei a condução dos alunos que eram menores e não deveriam ser levados desacompanhados da instituição e sem que os pais ou responsáveis fossem informados. A polícia respondeu que sabia fazer seu trabalho, que chamaria os pais e o conselho tutelar na delegacia e que a direção da escola estava ciente de todo o procedimento.

Depois, no estacionamento, os policiais falaram que seriamos conduzidos em carros descaracterizados e eu novamente questionei. Disse, inclusive, que se eu estava indo na condição e testemunha poderia ir no meu próprio carro, nesse momento, como já relatei, começaram a agressão física, tive o braço machucado, fui algemada e colocada na viatura.

 Os policiais apresentam depoimentos contraditórios sobre em qual momento eu teria desobedecido uma ordem legal e qual ordem foi essa.  Mas, mesmo se tivesse acontecido crime de desobediência, o que não ocorreu, seria algo específico da justiça criminal e não uma violação dos deveres como servidora, como afirmei no PAD. Obediência do ponto de vista administrativo, eu devo aos meus superiores hierárquicos da instituição, e não havia nenhum no momento da ação da policia, e eu não prestei concurso para a polícia civil do Goiás e sim para o IFG.

Além disso, a comissão de sindicância, na qual não fui convocada e não tive defesa, sugeriu abertura de PAD, em razão de divergência entre os relatos do diretor, dos policiais e meu depoimento. Então, nessa situação, não havia motivos para abrir um processo apenas contra minha pessoa. Também ficou reconhecida a omissão da gestão ao não acompanhar os estudantes durante a abordagem policial, quando foram retirados de sala de aula, e na condução deles e de uma professora para a delegacia de polícia. Não tivemos nenhuma assistência da instituição, sendo que inclusive estava em horário de trabalho. Ou seja, além de um PAD injusto, não tivemos a devida apuração dos responsáveis por todas as irregularidades e violências ocorridas no campus naquele dia.

3- Com um viés nitidamente persecutório, o PAD foi encerrado em 8 de janeiro de 2021, com seu arquivamento. Qual sua percepção deste PAD absurdo ao longo do tempo em que ele se desenrolou? O que ele acabou revelando, o que esteve em jogo?

Não deveria nem ter existido esse PAD, eu e os estudantes sofremos várias formas de violência dentro de uma instituição escolar e eu ainda sofri um processo disciplinar para analisar minha postura. Mas eu fico feliz que ele tenha sido finalizado de maneira justa. Foi nitidamente persecutório, tanto por parte da diretoria local, que encaminhou os fatos para a reitoria, quanto a própria reitoria que determinou a instauração de sindicância e depois PAD.

Ele acabou deixando nítido que a polícia cometeu uma série de abusos, a gestão uma série de equívocos, e eu quem respondi esse PAD por ter me colocado ao lado dos estudantes naquele momento. Ao longo do processo, várias destas situações ficaram expostas: estudantes não poderiam ser levados desacompanhados para uma delegacia, sequer deveriam ter sido levados, já que na revista feita não encontraram nada de errado, ilegal ou irregular. O chamado feito à polícia foi desnecessário, levando em conta que já haviam constatado que se tratava de uma falsa ameaça.

Portanto, o que esteve em jogo nesse PAD também foi o modelo de instituição que queremos. A comissão, composta por servidores públicos (que ainda têm estabilidade para realizar seu trabalho), deixou registrado o que os trabalhadores esperam da instituição. Não é possível tolerar uma escola onde estudantes da periferia estejam sob ameaça, onde a polícia pode chegar e fazer o que bem quiser. Vamos sim resistir às tentativas de mudança e destruição colocadas pelo governo Bolsonaro e implementadas por diversos gestores. Tem resistência e tem luta dos servidores em defesa de uma educação pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referenciada.

4- Mesmo com a finalização do PAD, outros processos ainda estão em andamento e o problema dos abusos e violência policial ainda prosseguem. Quais processos ainda tramitam? Qual sua percepção sobre esta postura autoritária e os efeitos dela na vida dos trabalhadores e estudantes do campus?

Ainda tramitam processos criminais, num deles a polícia me acusa de suposta desobediência e no outro eu os processo por abuso de autoridade.

Também durante o PAD fizemos um resgate histórico de vários casos de violência policial nas escolas próximas ao IFG. Perto do campus já militarizaram o colégio estadual. Durante greves, ocupações e mobilizações, trabalhadores e estudantes do IFG foram seguidos por policiais. Abordagem truculenta da policia nos arredores da escola são comuns. Em outras escolas públicas de Aguas Lindas também é comum acontecer da polícia entrar, abordar e retirar da escola sem acompanhamento estudantes menores de idade, um absurdo!

 O problema permanece, ainda não me sinto segura, recorridas vezes viaturas da polícia ainda me seguem ao sair do trabalho (por conta dos desdobramentos da questão). Isso não pode ser naturalizado, está errado! Estudantes e trabalhadores da educação precisam de um ambiente livre para aprender e ensinar.

5- A atuação das entidades sindicais, ativistas e advogados foi fundamental para denunciar a violência policial e a postura antissindical e de perseguição de gestores envolvidos. Que linha de atuação você compreende como mais adequada neste tipo de situação? Qual seu recado para estas pessoas e para a categoria que o SINASEFE representa?

Quero agradecer aos que estiveram ao meu lado nesta luta ao jurídico, à parte da Direção Nacional, à categoria e várias seções sindicais que se manifestaram amplamente, e vários outros trabalhadores de outras categorias e movimentos sociais também se solidarizaram. Tenho certeza que essa vitória é fruto da seriedade do trabalho da comissão (do PAD) e do nosso jurídico, mas, principalmente da mobilização que foi feita em relação ao caso.

A forma como optamos por enfrentar esse processo foi determinante sim, já que em nenhum momento pensamos em deixar de fazer luta, em conciliar, em deixar de estar no sindicato, em deixar de fazer as críticas necessárias à reitoria ou ao Governo. Temos duas vertentes hoje no movimento sindical, elas ficam claras em processos como estes. Uma delas diz, de forma tímida ou mesmo descarada: ‘é bom ser amigo do rei’, e que o jeito de resolver problemas como um PAD é o ‘toma lá, dá cá’, um ‘jeitinho’. A outra linha é a nossa: conseguimos vencer sem nos vender, sem fazer negociata, sem nos render e fazendo os enfrentamentos necessários. Foi a luta da categoria que garantiu essa vitória.

É sempre importante relembrar, especialmente nestes tempos fascistas, que nossa atuação se mantém baseada na autonomia dos educadores e na defesa da liberdade de cátedra, inclusive denunciando perseguições como esta que sofri. Nos mantemos de pé.

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