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SINASEFE participa do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia e do Fórum Social das Resistências, em Porto Alegre-RS*

Postagem atualizada em 15/05/2022 às 10h54

Eventos realizados entre os dias 26 e 30 de abril foram sintetizados em um documento preparatório para o Fórum Social Mundial, que será realizado no México entre os dias 1º e 6 de maio

O Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD) contou com atividades focadas na transformação do sistema de justiça e na defesa da democracia, reunindo membros do Judiciário com os movimentos sociais para repensar as estruturas que perpetuam as desigualdades. Já o Fórum Social das Resistências (FSR) reuniu movimentos sociais e organizações para debater saídas para as crises que se abatem sobre o mundo e o Brasil, que penalizam a população mais pobre e vulnerabilizada e o meio ambiente.

Passados mais de 20 anos desde sua primeira edição (que ocorreu em 2001, também em Porto Alegre-RS), os organizadores afirmaram, em todos os espaços de debate, a impossibilidade de um “novo mundo” a partir da “humanização e democratização do sistema capitalista”. O tema do crescimento de vertentes ideológicas de extrema direita e neofascistas também se fez presente, apontando a necessidade urgente de uma resposta firme e unitária da esquerda e dos movimentos sociais. “Precisamos ampliar a voz ativa e protagonismo de novos atores das lutas de resistência, como os movimentos antirracistas, feministas, LGBTQIA+ e ambientalistas”, reforçou Vanessa Patriota, membra do Comitê Facilitador do FSMJD.

Derrotar Bolsonaro e revogar as reformas trabalhista e previdenciária, a EC 95/2016 (que estabeleceu o teto de gastos), as privatizações, a política de preços da Petrobrás e a legislação ambiental aprovada no último período formam o ponto de partida para o processo de reconstrução nacional e de mudança apontados pelos eventos. Para Marlene Socorro, coordenadora geral do Sinasefe IFBA, tais desafios são indissociáveis da luta contra o racismo e do combate à fome: “Precisamos construir a luta pela igualdade social”, afirmou.

O SINASEFE teve destacada participação nas atividades, com a presença de seções sindicais de todas as regiões do país, e intervenções nas mesas de debates, oficinas e atos presenciais de ambos os Fóruns. Raimundo Conceição, diretor da Coordenação de Pessoal Técnico-Administrativo do sindicato, reforçou que somos parte da resistência há décadas ao lado dos setores progressistas da sociedade: “Faremos contraposição às políticas de desmonte dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras”, conclamou.

Seções sindicais do SINASEFE no auditório da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul

Segundo Lucrécia Iacovino, secretária de Comunicação do SINASEFE, a participação do sindicato cumpre um papel importante diante do cenário de grave crise econômica e da necessidade de organização política da classe trabalhadora: “Precisamos debater os grandes temas colocados para enfrentarmos os desafios do próximo período”, enfatizou.

Marcha de Abertura Unificada dos Fóruns toma as ruas de Porto Alegre-RS

Após dois anos de debates virtuais, a tradicional marcha de abertura foi realizada na terça-feira (26/04) e reuniu centenas de ativistas de movimentos sociais, sindicais e estudantis, partidos de esquerda, além de diversas entidades. A concentração ocorreu no Largo Glênio Peres, no centro de Porto Alegre-RS, onde as falas dos organizadores e apoiadores ressaltaram os temas de resistência propostos pelos Fóruns, e seguiu em caminhada até o Largo Zumbi dos Palmares, encerrando com atividades culturais.

Seções sindicais do SINASEFE na concentração da Marcha de Abertura – 26/04/2022

A luta contra o governo Bolsonaro esteve no centro das intervenções: “Chegamos em 2022 com uma tarefa de unificar forças para organizar a derrota do governo Bolsonaro. Sua derrota eleitoral não será um ato final, mas parte fundamental do acúmulo de forças necessário para varrer do mapa a política bolsonarista, que hoje não se limita ao Bolsonaro”, conclamou Grazielle Felício, coordenadora da seção IFSP do SINASEFE.

Lucrécia Iacovino representou o SINASEFE no microfone principal da abertura da marcha, durante a concentração. A dirigente representou o funcionalismo público federal, que está em plena construção de uma greve em exigência à recomposição salarial de 19,99%, e trouxe para a sua fala a necessidade de fortalecer os movimentos e as lutas, além da importância da defesa incondicional da educação. Confira no vídeo:

Lucrécia Iacovino – Marcha de Abertura – 26/04/2022

“A justiça que tarda, falha”, afirma Dilma Rousseff na mesa de abertura dos Fóruns

Com o tema “Vítimas do Sistema de Justiça”, a mesa unificada de abertura dos Fóruns contou com a participação da ex-presidenta Dilma Rousseff; da advogada indígena, Fernanda Kaingang; da advogada e mãe de Marielle Franco, Marinete Franco; de Ana Paula Oliveira, do Coletivo Mães de Manguinhos; e do jornalista Luis Nassif. A mediação foi feita pela integrante da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Comitê Facilitador do FSMJD, Tânia Oliveira.

Mesa “Vítimas do Sistema de Justiça” – 27/04/2022

Vítima de um golpe parlamentar que a retirou da presidência em 2016, Dilma Rousseff é uma das principais referências sobre “lawfare” no mundo. O termo se refere à junção da palavra law (lei) e o vocábulo warfare (guerra) e, em tradução literal, significa guerra jurídica. Em termos gerais, podemos entender o conceito como o uso das leis como uma arma para alcançar uma finalidade política que normalmente não poderia ser alcançada.

Dilma foi inocentada das chamadas “pedaladas fiscais” usadas como justificativa para derrubá-la. No entanto, foi tarde demais. A própria ex-presidenta destacou que é preciso ter muito cuidado para não fazer a justiça com atraso: “Nós fizemos a justiça em relação à ditadura de 64 atrasados. Nós perdemos o tempo histórico, quando nós fomos fazer durante o meu governo, onde foi aprovado a Comissão da Verdade, que é uma pálida retomada do direito à verdade histórica que o país tem. O direito à verdade não pode ser só conhecer, tem que fazer a justiça de transição. Nós não fizemos e hoje pagamos o preço por não ter feito. Porque quando Bolsonaro faz o elogio à ditadura, ele flerta com a intervenção e, ao flertar, ele não tem o obstáculo colocado pelo povo que tem consciência histórica a respeito dos fatos que ocorreram. Por isso eu digo que a justiça que tarda, falha”, afirmou.

A necessidade de políticas públicas adequadas e a denúncia sobre as falhas do sistema jurídico brasileiro também foram alvo de reflexão e debate para os ativistas do SINASEFE presentes no evento: “Espero que a justiça seja feita para trabalhadores e trabalhadoras e que a democracia seja respeitada”, enfatizou a diretora Sônia Adão, secretária-adjunta da Coordenação de Combate às Opressões do SINASEFE.

Fórum Social Mundial Justiça e Democracia

O FSMJD foi organizado a partir de cinco eixos ordenadores:

  1. Democracia, Arquitetura do Sistema de Justiça e forças sociais;
  2. Sistema de Justiça, Democracia e Direitos de grupos vulnerabilizados;
  3. Capitalismo, desigualdades, relações sociais, mundos do trabalho e sistemas democráticos de Justiça;
  4. Democracia, Comunicação, tecnologias e Sistema de Justiça;
  5. Perspectiva transformadora do Sistema de Justiça e a centralidade da cultura nesse processo.

Cada um destes assuntos foi abordado em uma mesa principal coordenada pelo Comitê Facilitador, e com desdobramentos em atividades chamadas “autogestionadas”, que aconteciam paralelamente em diferentes locais da cidade de Porto Alegre-RS. Foi uma programação extensa e ampla, com a participação virtual e também presencial de nomes de peso da política internacional, juristas, pesquisadores, ativistas sociais e artistas.

Carta de Porto Alegre-RS

O FSMJD realizou sua atividade de encerramento com uma Assembleia na Câmara Municipal de Porto Alegre-RS, ainda no sábado (30). A partir deste espaço e das deliberações das atividades, o Comitê Facilitador produziu um documento final, intitulado “Carta de Porto Alegre-RS”.

Na Carta, os integrantes do FSMJD reafirmam o objetivo de construção de um “movimento de luta para a transformação dos sistemas de justiça, assim como de reestruturação de instituições nele envolvidas e comprometidas com os valores da democracia, da dignidade e da justiça social”.

Confira, a seguir, a Carta na íntegra:

Carta de Porto Alegre-RS – 2022 – Fórum Social Mundial Justiça e Democracia

Carta pela Justiça e pela Democracia

Neste dia 30 de abril de 2022, o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia inaugura uma nova etapa de sua existência. Ele não se encerra aqui. Ao contrário! Alimentado de ideias e de propostas geradas ao longo dos últimos quatro dias em que nos reunimos presencialmente, nessa trégua – embora precária – de uma pandemia que tanto nos maltratou e impôs por duas vezes o adiamento deste evento, o FSMJD prosseguirá amanhã, depois de amanhã… e depois… e depois… e depois, para cumprir o seu papel: o de ser movimento de luta para a transformação dos sistemas de justiça, assim como de reestruturação de instituições nele envolvidas e comprometidas com os valores da democracia, da dignidade e da justiça social.

Em diversos pontos de Porto Alegre-RS, realizamos atividades múltiplas e palpitantes: palestras, rodas de conversa, exibição de filmes, lançamentos de livros, performances artísticas. Todas essas atividades tiveram um só propósito: apontar os dados, cada vez mais nítidos, de que os atuais sistemas de justiça se voltam a produzir injustiças: de um lado, com a inoperância para efetivar direitos fundamentais de parcela expressiva da população; de outro, com a lógica da seletividade no tratamento de conflitos de natureza coletiva, sobretudo naqueles em matéria criminal, caso em que assume ares inequívocos de perseguição, sendo o lawfare o exemplo mais contundente.

Numa perspectiva sistêmica do agir institucional, observa-se a influência avassaladora e progressiva da lógica neoliberal na justiça, que ignora a importância dos direitos da pessoa humana e cuida da preservação dos interesses econômicos e financeiros dos donos do capital. A captura econômica da lógica jurídica humanista exacerbou o DNA do capitalismo.

Nesse contexto, os sistemas de justiça manejam a ordem jurídica apenas formalmente, desconstitucionalizando direitos ao sucumbir às investidas do capital e de interesses oligopolistas, que apostam na agudização da concorrência entre os indivíduos e na mercantilização de todas as esferas da vida social. A ambição em concentrar riqueza, um dos pilares centrais do capitalismo, tem se intensificado na ordem neoliberal, fazendo emergir um poder autoritário, quando não tirânico. Mediante a captura de mentalidades de um número significativo de membros dos sistemas de justiça, essa lógica avança no projeto de perseguir pessoas por força de suas posições e opiniões políticas avessas à opressão econômica; ela teima em suprimir os direitos da população mais pobre, elevando os indicadores da miséria; ela investe impiedosamente contra os direitos da classe trabalhadora, precarizando-a como força produtiva; e não se esquece de alvejar também outros setores vulnerabilizados da população, a fim de subtrair-lhes toda e qualquer dignidade humana.

O Fórum Social Mundial Justiça e Democracia – movimento de arregimentação das forças sociais para permanente de avaliação, de denúncia e de transformação dos sistemas de justiça para a garantia da democracia – identifica a ação dos sistemas de justiça fragilizados na sua independência, que se prestam a aprofundar o fosso entre a institucionalidade e a cidadania. Denuncia, então, tais sistemas instruídos pelo neoliberalismo, conformados à burocracia e pouco entusiastas da democracia, que se mostram antes propensos a abrir do que fechar as portas para o fascismo.

Tal propensão, além de gerar críticas, impõe a autocrítica como necessidade inescapável de quem atua no interior desses sistemas. Ela demanda um agir concentrado para extrair o racismo, o poder patriarcal cis-heteronormativo e o elitismo que contaminam os sistemas de justiça instituídos nos territórios dos países colonizados e que contribuem para sequestrar a democracia. Urge, pois, uma autocrítica disposta a mirar essas marcas históricas e a comprometer-se com a superação delas.

Os dias de trabalho intensos que tivemos significaram, portanto, um momento de denúncia das falhas dos sistemas para efetivar a justiça e também um espaço de fortalecimento da nossa resistência para avançar no sentido de construir uma democracia de fato inclusiva e garantidora do respeito aos sujeitos. Mais do que isso, serviram para demonstrar que “Democracia, Justiça e Participação são convocações do real”.

Este Fórum oferece e ressalta a importância de “vencermos o obstáculo epistemológico dos paradigmas que isolam o jurídico na forma e na lei”, distanciando o Direito da vida concreta. Ele nos lembra que “a função do Direito é contribuir para a obra da humanização” e que “a humanidade é uma experiência histórica e social”.

Ao desvelar as falhas dos sistemas de justiça por meio de depoimentos de pessoas que foram afetadas por eles ou por meio de estudos bem sistematizados, este Fórum presencial contribui para mensurar a extensão dos danos para a democracia que um sistema de justiça corroído acarreta. Também permite dimensionar os desafios com os quais nos deparamos para reafirmar a opção por um modelo de sociedade que seja alicerçado no princípio da igualdade, organizado em torno da ideia de emancipação política dos seus membros e, ainda, combativo quanto ao avanço do neoliberalismo econômico que leva ao exaurimento dos recursos naturais e objetifica as pessoas, automatizando-as. Isso sem contar que o neoliberalismo tenta apagar os saberes de povos originários (ainda resistentes) e solapa qualquer ideia de implantação do bem-viver para a maioria da população, consagrando o poder absoluto de alguns indivíduos ou corporações, pretensamente onipresentes por meio de plataformas digitais.

Esses problemas nos desafiam a deflagrar – na data de hoje, 30/04/2022, e em nome da democracia – um movimento de mobilização permanente, de articulação e execução de ações concretas que transformem os sistemas de justiça, eliminando o caráter elitista, racista e patriarcal que historicamente foi tecendo a sua configuração.

Com nossas atividades, alcançamos o discernimento de que Democracia e Justiça não são resultado de lei ou regimento, mas estão inscritas no seio da sociedade e são impulsionadas pela avaliação e pela injunção crítica e contínua dos sujeitos coletivos que fazem a mediação entre sociedade e direito. São eles que constroem coletivamente a sua independência social com base nas interações permanentes no sentido de fazer a temática do nosso fórum: democracia e justiça, a nossa vida.

Nós, que aqui nos reunimos, mergulhamos nas atividades, nos emocionamos, nos indignamos com o que pudemos ver, ouvir e conhecer sobre o funcionamento dos sistemas de justiça e os danos à democracia por eles provocados, reforçamos o compromisso de atuar para transformar os sistemas de justiça e construir a democracia.

Destacamos que este compromisso é compartilhado por quem está aqui presente e por tantas outras pessoas que contribuíram para a realização deste Fórum e não puderam desfrutar deste momento de gestação de outro mundo possível.

Hoje se renova, no nosso coração de estudante, “a aurora de cada dia”: a esperança de uma utopia que “pode estar aqui do lado, bem mais perto que pensamos”. “Se o poeta é o que o sonha o que vai ser real, sejamos poetas”! Tenhamos em mente “a presença distante das estrelas”! Encorajando a revoada do eu passarinho, sejamos nós passarada!

“Sob o sol da justiça social, nossa voz a resistir
ocupa-se de marginal, o bloco que ousa colorir
Lutando por direitos na rua, atravessando a alma minha e tua
São as procissões que se encrustam na via, multidões, utopia
Tivera a coragem das flores, que no temporal embelezam o dia
Tendo a sorte breve como os amores, mesmo despetaladas são valentia
Se eu cair, vou cair lutando
Se o fim chegar, não há de me encontrar chorando
Mas isso é coisa de quem não negocia a humanidade, a democracia”.

Com aspas indicativas de falas singulares de pessoas que avolumam e colorem este canto geral por justiça e por democracia, seja na sua construção direta, seja no suporte ancestral, lindamente sintetizadas na canção e na voz do gaúcho Mauro Moura, transgredimos a gramática abrindo mão de ponto final, para dizer que estamos apenas no começo.

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* Matéria escrita por Gisele Peres