Artigo – A Crise Política e o Fantasma Intervenção Militar

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Artigo – A Crise Política e o Fantasma Intervenção Militar

Postagem atualizada em 21/09/2017 às 0h15

Em palestra na loja Maçônica Grande Oriente, localizada na capital federal, no último dia 15 de setembro, o General Antonio Hamilton Martins Mourão falou por três vezes sobre a possibilidade de uma intervenção militar para “impor” uma solução à atual crise política. Esse mesmo general já foi punido por declarações semelhantes. Em 2015, em palestra para um grupo de oficiais da reserva, fez um chamado aos presentes para o “despertar de uma luta patriótica”. Adepto de frases de efeito e palavras fortes, o general teria afirmado na ocasião que ainda existiam muitos inimigos internos em atividade, e numa referência ao suposto fato de estarem esses “inimigos” subestimando o exército, emendou: “eles que venham”. Na época, essas declarações provocaram reações até mesmo nas hostes da oposição da então presidente Dilma, ninguém menos que o Senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) enviou ofício cobrando uma reação do então Ministro da Defesa Aldo Rebelo. A permanência de Mourão em seu posto de comando ficou inviável, mais ainda depois de esse mesmo general ter autorizado uma cerimônia na unidade militar de Santa Maria-RS em homenagem ao coronel Brilhante Ustra, notório torturador à época da Ditadura Militar. Como resultado, Mourão foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças (cargo burocrático) que ocupa até o presente momento.

Diante das repercussões de sua última fala, que rapidamente se espalharam por todo o país, o Ministro da Defesa Raul Jungmann convocou o Comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas, para pedir explicações. Adiantando que a posição de Mourão não reflete a dos outros oficiais do Alto Comando, Villas Bôas defendeu uma abordagem mais “diplomática”, sem grandes traumas. Na ocasião, o Comandante do Exército teria ponderado que Mourão está a seis meses de ir para a reserva, e uma punição que viesse a ser considerada demasiadamente pesada poderia dar ensejo a um movimento de solidariedade na tropa, nada aconselhável no atual momento da conjuntura. A conversa entre Ministro e Comandante do Exército ocorreu na segunda-feira, dia 18, se naquele momento tinha-se a impressão de que o primeiro queria rigor e o segundo “panos quentes”, essa impressão se transformou em certeza nesta quarta, dia 20, no momento em que o general Villas Bôas veio a público para dizer que não apenas o General Mourão não será punido, como para explicar que o mesmo não tinha dito nada de errado, que de fato “as Forças Armadas têm mandato para fazer [uma intervenção] na iminência de um caos”.

Um detalhe até agora não mencionado em nenhuma das reportagens que li sobre o assunto, é o peso do sobrenome do general pivô dessa crise: Mourão. Para quem já estudou ou conhece minimamente a história do golpe empresarial-militar de 1964 e o período histórico precedente, não escapou a provável descendência que esse general tem de um outro general também famoso por suas bravatas: Olympio Mourão Filho. Esse homem esteve diretamente implicado na origem dos dois momentos ditatoriais do Brasil do século XX. Direitoso convicto, ex-membro do integralismo, defensor apaixonado do latifúndio e apologista fanático da criminalização dos movimentos sociais, Mourão foi o autor do famigerado Plano Cohen (que resultou na ditadura do Estado Novo em 1937) e foi em 31 de março de 1964, o general que deu início ao levante das tropas mineiras rumo a duas décadas de ditadura. Um sobrenome desses defendendo a imposição de uma “solução” militar é simbolicamente preocupante, todavia é bom lembrar que não é o único sobrenome militar ligado ao passado ditatorial, em posição de poder nesse momento.

Como não lembrar também de Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional (pasta a qual é subordinada a ABIN), indicado para o cargo pelo próprio comandante do Exército Villas Bôas (que costumava se referir a ele como seu “número dois”). Esse homem é filho de ninguém menos que do general Leo Guedes Etchegoyen e sobrinho de Cyro Guedes Etchegoyen, ambos apoiadores e participantes do golpe de 1964 e da ditadura que se seguiu. Sérgio Etchegoyen foi em 2014 o primeiro general da ativa a criticar publicamente os trabalhos da Comissão da Verdade que apontara seu pai e tio como responsáveis por graves violações dos direitos humanos (assassinatos e torturas) durante a ditadura militar, inclusive com envolvimento direto na infame “casa da morte” localizada no município de Petrópolis-RJ. Pois muito bem, o General Sergio Etchegoyen é um dos homens fortes do governo Temer, e se tornou ainda mais influente depois dos escândalos que atingem o presidente com as delações dos irmãos Batista, da JBS. Em meio às tratativas do presidente para não ser afastado do poder e quiçá preso, a figura corpulenta de Sérgio é uma das mais constantes ao lado de Temer. Um jornal influente chegou a especular que o homem forte do governo não é Meirelles, é o Etchegoyen. Em 24 de maio do corrente ano, quando cerca de duzentas mil pessoas ocupavam a capital federal em protestos contra as denúncias de corrupção, foi esse general que articulou e convenceu ao presidente golpista, que requisitasse as Forças Armadas para garantir a ordem, gesto também carregado de preocupante simbolismo, pelo fato em si, pelo presidente que é e pelo ministro que comandou.

Menções a intervenções militares nesse momento, blefes ou não, bravatas ou mera vontade de aparecer, são muito preocupantes e devem ser tratadas com o máximo rigor e seriedade. Também o período que antecedeu ao golpe militar foi marcado por insistentes denúncias de corrupção. No Brasil, corruptos sempre grassaram impunes. Há mais de uma década a agitação em torno do combate aos corruptos tem sido a pauta prioritária dos meios de comunicação. Mas a despeito de tudo isso, os graves indícios que envolvem o atual mandatário da republica não parecem ser suficientes para convencer um Congresso, outrora ansioso em extirpar o mal no governo anterior, de que este deve ser afastado para investigação. A defesa que o atual Mourão fez da intervenção militar se fez em um contexto que pode enganar muita gente. O maçon que lhe fez a pergunta criticou duramente o governo Temer, a compra de deputados para evitar o afastamento, e perguntou se não era um caso de intervenção militar “na forma da constituição” para livrar o pais desse canalha e convocar eleições gerais em noventa dias, sem Temer e sem os deputados corruptos (parece até a linha de um partido de esquerda).

A bravata do atual Mourão pode parecer para grande parte da população, como a saída final e ideal para um impasse que não encontra solução em instituições e poderes já sem nenhuma credibilidade. Não por acaso, Mourão recebeu apoio de outros militares importantes, tais como o ex-comandante da missão da ONU no Haiti. E mais de 95% das mensagens na internet são de apoio. Nunca é demais lembrar que vivemos tempos sombrios e assustadores. Que dos esgotos da sociedade civil brotam movimentos tais como MBL, Revoltados On-Line, Movimento Escola Sem Partido entre outros. Que estes movimentos fazem uma ressignificação positiva do período da Ditadura Militar. Que esses movimentos são financiados por grupos econômicos de peso. Que figuras truculentas e assustadoras tais como Jair Bolsonaro alcançam alarmantes índices de popularidade. E que mesmo o cenário internacional é hoje qualitativamente mais aterrador que há pouco tempo atrás. Com fortes mobilizações de Direita em países como Venezuela. Com tentativas recentes de golpe de Estado na Turquia. Com governos depostos recentemente em países como Paraguai e Honduras. Com avanço da ultra-direita em países importantes da Europa. Com Trump nos Estados Unidos!

Diante de todos esses fatos, devemos acreditar que uma intervenção militar é um risco iminente? Vejamos, os banqueiros, o agronegócio e as principais frações dominantes estão representadas em Temer e no Congresso. Seria esse governo e esse Congresso afastado por obra dos capachos dessas mesmas classes dominantes? Acho que não!!! Temer não será derrubado por um levante militar, Echgoyem não vai deixar! Mas como se comportaria esse mesmo ministro se o povo fosse à rua aos milhões para ele sim “impor” uma saída para a crise? Sempre é bom lembrar que a direita aceitou o desafio de conquistar mentes e corações e se organizou para isso. Hoje grande parte da população clama contra o esquerdismo e o comunismo e iludida pela propaganda midiática acha que esquerda é corrupção.

A intervenção militar, cuja ameaça pode ser real ou não, será sempre a pauta da extrema direita. A apologia ao golpe militar opera no vácuo deixado pelas organizações sociais de esquerda, pela imperdoável irresponsabilidade e pusilanimidade em dar o justo combate. Estamos prestes às maiores derrotas uma vez já sofridas nesse país, e ainda por cima vindas de um presidente fraco, medíocre, escandalosamente corrupto e impopular. A história espera de nós mais do que o papel de expectadores ou de comentaristas das teorias da conspiração. A desculpa da ameaça de golpe de militar é na verdade bem funcional a quem trai a construção de greves gerais em troca de manutenção do imposto sindical!

Mais do que nunca a esquerda e os movimentos sociais precisam voltar a fazer o que se deixou de fazer durante os treze anos de governo petista. Precisamos voltar às bases, mobilizar os trabalhadores, politizar as discussões, construir a partir de baixo um novo projeto político de país a partir do referencial da classe trabalhadora e da juventude organizada. As instituições republicanas desmoralizadas em seu movimento intestinal de pequena política não recuperarão sua credibilidade por obra e graça das eleições de 2018. E não será a conciliação de classe que vai inverter a correlação de forças criada por essa própria conciliação de classes. Fora da mobilização e da greve geral, não há salvação.

Fora Temer, nenhum direito a menos!

Sobre o autor

Fabiano Godinho Faria é professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e coordenador geral do SINASEFE.

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