“Só temos uma alternativa: continuar lutando!” Veja íntegra de entrevista com servidor do IFC

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“Só temos uma alternativa: continuar lutando!” Veja íntegra de entrevista com servidor do IFC

Postagem atualizada em 02/12/2017 às 13h18

O ano de 2017 foi palco de inúmeras denúncias de perseguições na Rede Federal. Um destes absurdos foi a situação enfrentada por trabalhadores do campus Abelardo Luz, do Instituto Federal Catarinense (IFC). Denunciada pelo SINASEFE em agosto, a inegável perseguição, com direito a apreensão de celulares e computadores, também foi pautada pela imprensa de diversas Seções Sindicais. Confira a seguir, entrevista produzida pelo Sinasefe IFBA.

Interesses capitalistas geram perseguição no IFC

(Entrevista do Sinasefe IFBA, confira no site da Seção)

Os tempos sombrios também chegaram ao Instituto Federal Catarinense (IFC). Os professores do Campus Abelardo Luz, Ricardo Velho* e Maicon Fontaine, estão sendo investigados, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), por “imposição ideológica e política” e “ingerência na gestão”. Eles tiveram os computadores e celulares apreendidos e foram afastados dos cargos.

O MPF alega que houve “diversas irregularidades no campus envolvendo a participação de integrantes do MST e a intensa imposição de ideologia política dentro do Instituto”. Como somos um sindicato classista e democrático e somos contra perseguições, entrevistamos o professor e diretor afastado do campus avançado Abelardo Luz, Ricardo Velho, para apurar o que realmente está acontecendo.

SINASEFE-IFBA – O que está acontecendo com você no IFC?

Ricardo Velho – Eu estava à frente da gestão do campus avançado desde agosto de 2016. O campus está localizado numa região de assentamentos da reforma agrária, com estudantes de ensino técnico e superior. A articulação com a comunidade local ocorreu por meio de diversas audiências públicas, um mecanismo democrático e transparente de apresentar as demandas da comunidade para o IFC. O que ocorreu foi uma série de denúncias que visam atingir a existência do campus na área agrícola do município, pois os setores econômicos dominantes da região, vinculados ao agronegócio, pretendem transferir o campus para a região urbana. Inclusive, isso gerou uma carta das grandes empresas localizadas em Abelardo ao MEC, e do gabinete do ministro recebemos uma “sugestão” de abertura de cursos de agronomia e engenharia de alimentos, não na perspectiva da agroecologia, como vinha se trabalhando. Ao tal ofício do MEC respondemos que essas reivindicações dos setores econômicos dominantes poderiam somar forças e ampliar o atendimento dos(as) estudantes urbanos(as), desde que o MEC realizasse investimentos nas estruturas pré-existentes na área agrícola, pois as ciências agrárias devem estar vinculadas aos arranjos produtivos locais, ou seja, às imensas áreas de assentamento do entorno.

SINASEFE-IFBA – Por que o MPF te acusa de “ingerência na gestão” e de “imposição ideológica e política” no instituto?

Ricardo Velho – Por coerência institucional, o IFC sempre buscou as organizações, instituições e movimentos sociais da região, e isso inclui o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). No entanto, muito além disso, as lideranças políticas e sociais sempre estiveram presentes no processo de criação do campus. Várias reuniões e audiências foram realizadas até que, em 2015, a portaria de criação do campus se efetivasse. A tal “ingerência”, na verdade, é caracterizada pela participação efetiva do MST, por meio de suas lutas, na audiência com a Presidência da República, reivindicando o campus. O pleito foi assimilado pelo gabinete da Presidência e efetivado pelo MEC e IFC. A história do campus é essa, o MST teve participação fundamental na criação do campus na área de assentamentos. As acusações, portanto, são uma tentativa de negar a história, bem ao gosto dos autoritarismos em diversos cantos do mundo. Infelizmente, alguns/algumas professores(as) embarcaram na onda conservadora e preconceituosa contra os movimentos sociais e realizaram depoimentos ao MPF com inúmeras inverdades, o que deu guarida a interpretações diferentes da realidade. As denúncias, em sua totalidade, são fundamentadas em informações parciais, mentirosas e mal-intencionadas. Também, infelizmente, o Poder Judiciário está permeado por interesses não republicanos, crivados de convicções sem provas.

SINASEFE-IFBA – Qual o motivo dessa perseguição depois de anos de existência do Campus e da relação pública dele com o MST?

Ricardo Velho – Os setores econômicos hegemônicos da região têm muito interesse em espoliar os lotes de assentamentos rurais. Com a nova lei de titulações, todos(as) os(as) assentados(as) poderão alienar seus lotes às instituições financeiras, a fim de buscar recursos. Essa alteração da legislação sobre a questão agrária brasileira levará, inevitavelmente, a uma concentração de terras. Quem terá a possibilidade de comprar terras serão os(as) grandes proprietários(as). Em decorrência disso, a região dos assentamentos é uma “mina de ouro”, pois, na medida em que o IFC dê condições aos/às assentados(as) e filhos(as) de assentados(as) de produzir mais e melhor, esses setores econômicos perdem essa “janela de oportunidades” para concentrar terras. O IFC é uma pedra do sapato dos(as) graúdos(as) da região.

SINASEFE-IFBA – Como você avalia essa situação?

Ricardo Velho – O momento político mundial é muito sui generis. Temos uma onda conservadora que é explicada pelo momento do ciclo econômico de crise mundial. A necessidade do capital é de arrebentar os direitos dos(as) trabalhadores(as) para poder retomar suas taxas de lucro. O sentimento que tenho é o de vivenciar o que cada trabalhador(a) passa cotidianamente nas fábricas, nas fazendas, nas lojas, etc. Isso significa que a perseguição que eu e Maicon estamos passando é apenas mais uma expressão da perseguição dos(as) que se colocam ao lado dos(as) explorados(as) e oprimidos(as). Em todos os cantos do mundo, os(as) que impõem resistência ao domínio dos interesses mesquinhos e individualistas são atacados(as) e perseguidos(as). Em Abelardo Luz, a história de repressão, perseguição, assassinatos é muito presente, pois as classes dominantes ainda têm a mentalidade coronelista.

SINASEFE-IFBA – Em que fase está esse processo agora?

Ricardo Velho – O processo está na fase de inquérito, ou seja, a busca e apreensão dos equipamentos eletrônicos é uma tentativa de encontrar provas contra nós e incriminar os movimentos sociais envolvidos na construção do campus. Eu e Maicon estamos afastados do campus de Abelardo Luz, e por ordem da juíza fomos exonerados das funções de gestão e devolvidos ao campus de origem, em Rio do Sul.

SINASEFE-IFBA – Como você explica essa cultura de perseguição política e de menosprezo aos/às menos favorecidos(as) economicamente, no caso os povos do campo?

Ricardo Velho – A cultura do ódio está impregnada nas relações atuais de poder, pois a perspectiva maniqueísta, que divide o mundo entre o bem e o mal, tem se alastrado como método de interpretação do mundo. Portanto, esse método é usado para combater todos os setores que se opõem aos desmandos dos “donos do poder”. Assim, se recoloca a questão da resistência ao modelo dominante, como o que explica a perseguição e os ataques aos movimentos sociais e aos/às trabalhadores(as) envolvidos(as) na construção de uma perspectiva emancipatória do mundo. As formas de organização e de “empoderamento” dos setores sociais excluídos são perigosas sob os olhos dos “donos do poder”. Desta maneira, o aniquilamento da resistência é uma necessidade desses agrupamentos.

SINASEFE-IFBA – O que você e o seu colega que está sendo perseguido pretendem fazer?

Ricardo Velho – Nosso posicionamento tem se mantido coerente com a nossa história de compromisso com os(as) trabalhadores(as) do campo e da cidade, com a construção de uma escola que tenha sentido social para os(as) excluídos(as) historicamente das políticas públicas. Dessa forma, eu e Maicon continuamos a trabalhar no IFC e em inúmeros projetos com movimentos sociais, com a intenção de fazer valer a missão da educação, qual seja de socializar conhecimentos civilizatórios para que a classe trabalhadora possa acessar a cultura humana disponível e que, por enquanto, está concentrada nas altas camadas da sociedade.

SINASEFE-IFBA – Qual mensagem você deixa para quem necessita lutar, mas está com medo de ser criminalizado(a)?

Ricardo Velho – Os(as) que lutam sabem que só temos uma alternativa: continuar lutando! Os(as) que estão pensando em lutar não têm alternativa, a realidade os(as) levará a lutar. A lógica capitalista é destruidora, por este motivo a sobrevivência humana depende de uma mudança profunda da dinâmica sóciometabólica. Portanto, o futuro do planeta com a presença do ser humano nele é diretamente vinculado à superação da ordem capitalista.

O crime é a justificativa dos(as) que dominam, todavia, a superação das relações autoritárias é um ato de justiça, mesmo que fora da lei.

Seguimos em luta. Até a vitória final.

*Graduado em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia Política e Doutor em Educação

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