Postagem atualizada em 06/02/2019 às 18h46
A tragédia é anunciada e permanecerá assim enquanto estivermos numa sociedade determinada pelo modo capitalista de produzir a vida. Diferente do que alguns insistem em defender, não se trata de uma questão de ser uma empresa privada ou estatal. Trata-se, sobretudo, de ser uma empresa do capital. E, por sua essência, segue a regra de fazer com que os trabalhadores produzam sua vida, produzindo, ao mesmo tempo, suas mortes. Até quando isso vai ocorrer? Até quando nossa sociedade estiver organizada desta forma. Vejamos mais de perto.
A Vale é uma das maiores mineradoras no mundo. Produtora de ouro, exploradora de bauxita (matéria-prima do alumínio) bem como de titânio e, principalmente, minério de ferro. Não se chega a esse posto sem um nível elevado de exploração dos trabalhadores. Isso precisa ficar claro.
Criada no governo Getúlio Vargas, em 1942, a partir da necessidade dos ingleses de diversificarem a oferta de minério de ferro do mundo, inclusive com profissionais e equipamentos vindos de lá, “doados” para a instalação das primeiras plantas e ferrovias, a empresa foi completamente privatizada em 1997 no governo de FHC. Completamente, porque em toda a sua história, a Vale foi uma empresa mista, na qual o governo tinha o controle acionário. A justificativa para sua venda era a da necessidade de fundos para o pagamento da dívida pública. Em outras palavras, venderam completamente a Vale para empresas privadas e o recurso obtido nesta ação foi destinado a empresas privadas.
É fato que a privatização acelerou o processo de precarização das condições de trabalho. Isso se dá em toda privatização. No entanto, a saída apontada historicamente pelos oportunistas dirigentes petistas, de reestatização da empresa como forma de evitar essa tragédia em Brumadinho-MG, é uma falácia. E isso, de forma geral, por dois motivos:
- Durante os anos de governo do PT não houve nenhuma iniciativa robusta para a reestatização de empresas privadas. Ao contrário, houve mais privatização de outros setores (como o aéreo e a abertura de capital da Petrobrás, para ficarmos apenas nestes exemplos);
- A estatização, entre outras coisas, serve para este tipo de empresa pública gere receita que servirá, hegemonicamente, para o pagamento da dívida pública. Em outras palavras, uma verba destinada aos capitalistas. Afinal de contas, o que é o Estado em nossa sociedade senão o cão de guarda do capital?
O Estado, na sociedade em que vivemos, não é de Classes, mas um Estado do capital. Apenas conseguimos chegar a essa compreensão porque indo até a base material da forma de produzir a vida e suas relações sociais de produção, encontramos que o determinante em nossa existência, inclusive na existência deste Estado, é o capital. Mas o caminho para se chegar a essa compreensão é complexo e fomos (des)educados a dar respostas imediatas e simplistas, que em nada contribuem para a compreensão e superação dessa série de desgraças.
Ao contrário do que dita o senso comum, o capitalismo não é uma condição natural da humanidade, um caminho inevitável na qual devemos permanecer. O modo de produção capitalista é apenas um dos modos possíveis de organização social. Ele se assenta à custa de intensa exploração do trabalho humano, de expropriações sanguinárias e de desenfreada extração de recursos naturais, mas produz uma sensação de que, por nossos méritos, caminhamos rumo a um futuro de riqueza, conforto e bem estar social.
Uma importante conclusão a que se pode chegar, quando se começa a descortinar esse véu de progresso e sucesso vendido pela ideologia dominante, é que este Estado é do capital. Um dos exemplos que podemos utilizar para validar isto ocorreu em 2010, quando o governo do PT promoveu a maior abertura de capital da história da Petrobrás, se vangloriando do feito dentro da bolsa de valores de São Paulo: “Não foi em Frankfurt, nem em Londres, nem em Nova York. Foi em São Paulo, aqui na Bovespa, que consagramos o maior processo de capitalização da história do capitalismo mundial”, afirmou Lula.
Assim, nos parece muito estranho que, agora, em meio a mais uma desgraça promovida pela Vale, apareçam, de todos os cantos, políticos do PT defendendo a reestatização. A defesa da estatização sempre foi feita por governos sociais democratas, reformistas. Nem perto disso o governo do PT conseguiu chegar. Agora, frente a mais um exemplo que custa a vida dos nossos, os representantes desse partido levantam a voz para esbravejar, “oportunisticamente”, que isso só aconteceu porque a empresa é privada.
Ora, se é verdade que a estatização é boa para o país, para a sociedade e para a classe trabalhadora, por que não reestatizaram, durante os anos em que estiveram no governo? Requentar um discurso de estatização nesse momento de intensa dor para centenas de famílias de trabalhadores asfixiados na lama, para uma cidade atônita com o desaparecimento súbito de seus habitantes, com a provável morte de mais uma bacia hidrográfica – a maior em território brasileiro – nos parece algo, no mínimo, hipócrita. A fala da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, é exemplar neste sentido: “A privatização de empresas em setores de grande impacto ambiental ou social, mais cedo ou mais tarde cobra seu preço da população”. Patético, quando lembramos que foi nos governos Dilma e Pimentel que se deu o desastre de Mariana e que, logo após rompimento da Barragem de Fundão, o governador petista deu entrevista coletiva de dentro do escritório da Samarco, controlada pela Vale e causadora da tragédia.
Ao longo dos últimos três anos, após a devastação da bacia do Rio Doce, o que se viu em Minas Gerais foi um completo descaso por parte dos três poderes em mitigar as consequências causadas pela lama de Fundão. As vítimas continuam sem indenização, as comunidades atingidas seguem sem a reconstrução de suas casas, há milhares de atingidos sem reconhecimento. Mas não devemos ver nenhum estranhamento nisso quando observamos que a Vale foi a terceira maior doadora de campanha para todos os partidos políticos nos últimos pleitos desde 2010, ficando atrás, somente da JBS e Odebrecht. Nas eleições de 2014, só o Partido dos Trabalhadores recebeu da Vale três milhões e oitocentos mil reais em doações oficiais de campanha, fora as doações individuais aos candidatos.
Vale destacar que nas últimas eleições presidenciais, nenhum programa de governo teve uma defesa enfática das reestatizações. Vejamos, mesmo compreendendo a estatização como um processo que em nada tem de radicalismo de esquerda, nenhum dos partidos defendeu isso de maneira coerente. Nem sequer aproveitaram o tempo de campanha para propagandear as desgraceiras que as políticas de privatização oportunizam.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar. O presidente Jair Messias Bolsonaro, disse que “(…) a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver com o governo federal”. Sem hesitar, lavou suas mãos com a lama que matou mais de uma centena de pessoas. Além disso, cabe lembrar do seu descarado desprezo pelas normas ambientais, declarando que “é preciso acabar com a indústria de multas que se tornou o Ibama”, e que “não podemos continuar aceitando uma fiscalização xiita por parte do Ibama”. O presidente não tem o menor pudor de manifestar seu interesse em facilitar, em todos os aspectos, a atuação das grandes empresas e atacar frontalmente os trabalhadores, mostrando seu descaso com a tragédia em Brumadinho-MG. Na mesma direção, o recém eleito governador de MG, do Partido “Novo”, já declarou sua intenção de transferir para as empresas a tarefa de licenciarem seus empreendimentos minerários. Mais do mesmo.
Sem ilusões. Morte à esperança. Dias melhores não virão enquanto estivermos centralizados pela lógica eleitoral. Tragédias como esta de Brumadinho-MG serão cada vez mais comuns. Em pouco tempo, tal como foi com Mariana-MG, as coisas seguirão seu rumo. Muitos se esquecerão. As famílias seguirão com seus lutos. E nós seguiremos questionando, “até quando?” Seguiremos afirmando que é uma “tragédia anunciada”? Enquanto nosso objetivo, como classe trabalhadora, for apenas mudar o gestor do Estado do capital, seguiremos sem novidades.
Não à complacência. No sistema do capital, no Estado do capital, o lucro vale mais do que nossas vidas. Isso, em nada nos deixa acomodados, sem ter o que fazer, esperando as coisas acontecerem. É necessário e urgente que nossa luta, neste momento, aponte para a denúncia à prisão do presidente e maiores acionistas da Vale do Rio Doce. Eles sabiam exatamente de todos os riscos e não podem sair como se nada tivesse acontecido. Além disso, a recuperação dos danos ambientais causado às comunidades que foram impactadas na região de Brumadinho-MG devem ser responsabilidade total da Vale. Duas coisas que, no mínimo, precisam ser realizadas imediatamente.
Direção Nacional do SINASEFE
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