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Fortalecer a luta da classe trabalhadora respeitando as diversidades: confira resumo do Encontro de Mulheres

Postagem atualizada em 11/07/2020 às 12h13

Com a participação de mais de 250 mulheres, representando 44 Seções Sindicais das cinco regiões do país, aconteceu entre os dias 23 e 25 de março de 2018 o 1º Encontro Nacional de Mulheres do SINASEFE. Partindo dos debates realizados (opressões, violência, diversidade, conjuntura, etc) as mulheres aprovaram um manifesto do evento. “Entendemos que o nosso feminismo deve considerar os marcadores sociais de classe, raça, gênero, geração, sexualidade, origem; especificidades que não significam divisão dentro da classe trabalhadora, mas fortalecimento a partir do respeito a todas essas diversidades”, destaca um trecho do texto, confira a íntegra. A denúncia da execução de Marielle e Anderson, e da intervenção militar no Rio de Janeiro, foi permanente durante o encontro.

Abertura

A exibição de um vídeo em homenagem à Marielle, editado pela Seção Sindical Natal, e a performance “Meu corpo te incomoda?”, da professora do IFRN, Rosane Santana deram início ao evento. Dez integrantes da Comissão Organizadora fizeram a abertura dos trabalhos conjuntamente: Beth Dau (Colégio Pedro II), Beatriz, Pallaoro (IFSC), Cristiane Gonzaga (IFCE), Clarissa Cavalcante (IFPA), Camila Libório (IFB), Diacuy Andrade (IFRN), Gleice Mari (Pimenta Bueno-RO), Janaína Zanchin (IFSC), Micilandia Sousa (IFPI) e Thais Louzada (IFTO).

Desejando boas vindas às mulheres, as organizadoras comemoraram a grande quantidade de participantes reunidas naquele momento histórico do sindicato nacional. Elas abordaram, rapidamente, o histórico que levou à realização da atividade, destacando a aprovação (em 2017) da tese que destina 50% das vagas na Direção Nacional e nas direções das Seções Sindicais para as mulheres. O empenho de cada participante e a oportunidade de compartilhar experiências também foram destaque nas falas.

 

Em nome da Comissão Organizadora, Thais Louzada fez uma homenagem à Marielle, destacando que a lutadora executada em 14 de março é como símbolo de luta das mulheres negras e de todos os oprimidos: “nossa força e inspiração neste encontro”, reforçou. “Estamos aqui por que lutamos contra o sexismo, contra as várias formas de opressão à mulher e contra todo tipo de opressão. Por paridade em todos os espaços, por igualdade com respeito às diferenças e especificidades nos locais de trabalho; por creches para garantir a atuação das mães trabalhadoras e educação infantil de qualidade para seus filhos, pelo direito ao aborto, e o repúdio à violência doméstica”, afirmou Thais. “Sem feminismo não haverá socialismo, mas sem destruir o capitalismo não haverá plena emancipação feminina”, finalizou. Confira trecho da homenagem em vídeo

Conjuntura e atuação política e sindical

Erika Andreassy (ILAESE), Janaína Reis (MML), Sarah Pereira (UNE), Silvia Ferraro (MAIS-PSOL) e Érika Kokay (PT) compuseram a mesa inicial do evento, com o tema Conjuntura Nacional e Atuação Política e Sindical das Mulheres.
Lembrando o papel das mulheres no ascenso mais geral da classe trabalhadora e da juventude, inclusive em nível internacional, Érika Andreassy destacou que a luta contra a opressão é uma luta pela vida das mulheres. “Não basta ser mulher, tem que ser trabalhadora”, afirmou Andreassy ao retomar a importância do combate ao machismo no âmbito da luta de classes.

“O que divide a classe não é a luta contra as opressões, e sim o capitalismo. Não existe revolução, e nem luta, com apenas 50% da classe, o combate ao machismo é pauta de toda classe trabalhadora”, destacou Janaína Reis em sua intervenção. Metalúrgica, ela lembrou do constrangimento que as trabalhadoras desta categoria passam ao enfrentar os fortes assédios em seus locais de trabalho: “Muitas mulheres almoçam no banheiro, com medo”. Janaína lembrou também que quando se trata do sistema capitalista, seja empresa pública ou privada, a opressão de gênero não muda e a luta contra o machismo é, necessariamente, cotidiana.

Sarah Pereira, alertando para os ataques recorrentes à democracia, destacou a necessidade de perceber a gravidade desta conjuntura e a consequente ameaça que está colocada para a existência e continuidade das entidades de trabalhadores. Ela também compartilhou sua história de militância, desde o ensino médio, e sua experiência dolorosa com a violência machista no âmbito familiar.

Em greve, Sílvia Ferraro, professora estadual de São Paulo, destacou a necessidade de impulsionar cada vez mais a participação das mulheres na luta. Abordando o cotidiano das mulheres no ambiente sindical, ela lembrou que ainda são numerosos os desafios a enfrentar. “É preciso ocupar todos os espaços, ainda somos poucas mulheres nos espaços de decisão, nos carros de som”, denunciou Sílvia. Ela também chamou atenção para a responsabilidade do governo federal na apuração da morte de Marielle: “um crime político que aconteceu num estado sob intervenção federal”.

“Nós mulheres lutamos diariamente pelos nossos corpos, num país que tem mais de 500 mil estupros por ano”, destacou Érika Kokay, que também tratou da condição da mulher no parlamento. Ao comentar a morte de Marielle, e os desafios que estão postos aos lutadores, ela destacou que a vereadora foi vítima de um assassinato sem disfarces ou enredos. “Eles foram ousados, não imaginaram que haveria uma reação deste tamanho”, afirmou Kokay. Para a deputada, as mulheres seguirão lutando por uma nova sociedade: “não tentem aprisionar nossos corpos, pois não conseguirão calar nossas vozes!”.

Apresentação Cultural

Os trabalhos do primeiro dia foram encerrados com a apresentação cultural do grupo percussivo feminino As Filhas de Oyá. Criada a partir da união de mulheres que tocam, estudam, experimentam e criam a partir de ritmos tradicionais da cultura popular brasileira, como o maracatu, o coco, o ijexá e a ciranda, a banda celebra a força feminina. Veja alguns trechos da apresentação realizada na noite de sexta-feira.

Mulher, Raça e Classe: Mulheres Negras e Indígenas

“É impossível que uma mulher esteja plenamente liberta enquanto houverem mulheres exploradas”, destacou Helena Silvestre (Luta Popular) em sua intervenção na primeira mesa de debates do sábado (24/03). O encontro foi retomado na manhã de sábado com o debate: Mulher, Raça e Classe – Mulheres Negras e Indígenas. Além de Helena, compuseram a mesa: Márcia Kambeba (indígena e mestra em Geografia), Dayse Oliveira (Quilombo Raça e Classe) e Zuleide Queiroz (docente da UFRN).

 

Após convidar as participantes para uma rápida dança indígena, Márcia lembrou que “antes de tudo, era uma mulher”. Em sua intervenção, Kambeba lembrou que na aldeia Kambeba a palavra final é da mulher, mas que, ainda assim, a mulher indígena está sujeita à numerosas violências, dentre elas a sexual. Ela pontuou o papel negativo do avanço de ideologias conservadoras no âmbito das aldeias: “Em alguns casos chegam a dizer que bater nosso maracá é ‘coisa do demônio’, e desconstruir isso, protegendo nossos costumes indígenas, dá um trabalho danado”.

MULHER COM P – Bruna Ribeiro

Passado perverso pesa!
Para Paulas, Priscilas, Patrícias…
Passado, patrimônio particular papai
Presente, propriedade privada parceiros
Passando para patrão.
Pátria, patriarcal, pelourinho perpétuo,
Pancadas, panelas, padrões, preconceitos
Pelas paredes, prédios, poses, peitos, posições patéticas
Pelas pontes, pivetes prosseguem pedindo pão
Pelas pistas, patricinhas prosseguem pedindo primeira página playboy
Pura palhaçada!
Possuímos pensamentos próprios, personalidades, projetos
Perguntamos pra que perpetuar preconceitos, padrões perversos?
Posso parecer polêmica, porém, privatizaram pessoas, prostituíram pensamentos.
Perua, puta, patroa, pantera, potranca: passatempo!
Palavras pesadas, patrocinadas pelo passado perverso
Porém, prosseguimos protestando…
Pedros, Paulos, Pablos podem participar
Prosseguimos protestando pelo Paquistão, por Porto Alegre e pelo Pirajussara
Pedindo paz para a pátria, punição pros poderosos, pão pros pequenos, pétalas, poder popular,
Prosseguimos pedindo principalmente…
Poesia pra periferia.

A poesia acima foi recitada por Helena Silvestre ao iniciar sua intervenção. Trazendo uma reflexão sobre as lutas das mulheres da periferia, ela lembrou que a militância viabiliza às mulheres a compreensão da própria história e o entendimento do mundo através de um olhar ousado. “As organizações dos trabalhadores precisam compreender que os debates devem ser todos incorporados pelos companheiros para que as mulheres não fiquem ainda mais sobrecarregadas”, frisou a militante ao comentar a atuação das mulheres em espaços de luta. “Não quero chegar ao topo, eu quero que não exista topo! Quero uma sociedade igualitária”, finalizou Helena.

Historiadora e ex-candidata do PSTU ao governo do Rio de Janeiro-RJ, Dayse Oliveira, iniciou sua fala dizendo que “o presente explica o passado, e não o contrário”. Abordando a realidade da mulher negra, ela disse que não defende nenhum governo capitalista: “para as mulheres negras não existe capitalismo humanitário”. Defendendo a efetivação das terceirizadas, Deyse destacou que a saída para resolver os problemas atuais é uma revolução. “Viva a rebeldia, viva as mulheres trabalhadoras!”, encerrou.

“Mais uma mulher guerreira se foi, campo aberto, campo minado, mais mulheres chegam, estamos nas ruas, estamos vigilantes. Se não nos deram tempo pra chorar os nossos mortos, teremos grito, teremos ritos de luta, Marielle merece, ela vive em cada uma de nós!” declamou Zuleide Queiroz, também homenageando a memória de Marielle no início de sua fala. Confira o vídeo. Ela lembrou também que dezenas de mulheres foram vítimas de feminicídio na capital cearense no primeiro trimestre de 2018: “a gente chora e luta”. Zuleide destacou que toda mulher tem uma história de luta para contar, afinal “nunca nos deram nada de presente”.

Grupos de trabalho

As participantes se dividiram em quatro grupos de trabalho na tarde de sábado para debater o conteúdo das teses apresentadas ao Encontro de Mulheres. Os temas das teses nortearam a divisão. Confira a relatoria dos debates realizados nos grupos (os textos são registros elaborados pelas participantes do evento) – Grupo 1 (Conjuntura e atuação política e sindical da mulher); Grupo 2 (Mulher raça e classe – mulheres negras e indígenas); Grupo 3 (Mulheres LBT – gênero, sexualidade, visibilidade e representatividade) e Grupo 4 (Violências – do assédio ao feminicídio).

Gênero, sexualidade, Visibilidade e Representatividade

Finalizando as atividades do segundo dia de Encontro, a mesa de debates Mulheres LGBT: Gênero, sexualidade, Visibilidade e Representatividade foi um dos destaques do Encontro. Com a participação de Marília Macedo (secretaria LGBT do PSTU), Jéssica Milaré (MAIS), Tatiana Lionço (docente da UnB) e Luma de Andrade (Unilab – primeira travesti doutorada do país).

“Enfrentamos um verdadeiro genocídio da população LGBT no Brasil: 40% dos assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registrados no mundo são no país”, lamentou Marília Macedo. Ela saudou o importante passo dado pelo SINASEFE ao debater o tema e superar a invisibilidade enfrentada mesmo nos espaços dos trabalhadores. “A luta pela criminalização da LGBTfobia é, em primeiro lugar, uma luta para existir. A LGBTfobia desumaniza, logo, a luta contra essa opressão deve ser de todos nós”, destacou.

Traçando um panorama histórico internacional da luta das mulheres trans, Jéssica Milaré pontuou que mais de 40% da população mundial ainda vive em países onde a homossexualidade é considerada um crime. Ela destacou também que a recente conquista da alteração do nome civil, sem a necessidade de cirurgia de mudança de sexo, é fruto das lutas.

“A diversidade é um fato social que independe de posições ideológicas” defendeu Tatiana Lionço em sua intervenção. A partir de diversas experiências com projetos de extensão, ela destacou a importância de desenvolver práticas educativas que garantam a compreensão das demandas das mulheres. Tatiana lembrou que a própria Constituição apresenta princípios da Educação para cidadania, o que abrange os debates de gênero, por exemplo. “Utilizar bibliografias de mulheres trans e negras é um caminho para ampliar suas vozes”, comentou Tatiana.

Agradecendo a confiança e o convite do sindicato, Luma de Andrade destacou a importância de espaços como o Encontro de Mulheres: “a gente aprende mais com a convivência e com a possibilidade da troca”. Ela comentou a necessidade de “deseducar”, ou seja, não aceitar os conceitos imputados pelo sistema, estabelecendo cada vez mais redes de solidariedade. “Todos nós temos poderes. Temos que ter estratégias, se tivermos a melhor estratégia os ‘poderosos’ se curvarão”, finalizou Luma, aplaudida de pé pelas participantes.

Violências: do assédio ao feminicídio

A importância de estabelecer redes de apoio entre as mulheres foi uma unanimidade nas intervenções das convidadas da última mesa de debates do evento. Jéssica Lima (advogada da subseção da OAB de Corrente-PI), Lia Zanotta (antropóloga da UnB), Raíssa Róssiter (subsecretária de políticas para mulheres do GDF), Margareth Teixeira (coordenadora da Casa da Mulher Brasileira) e Elisa de Andrade (psicóloga e (psicóloga e perita judicial com atuação em saúde mental e trabalho) compuseram a mesa: Violências: do assédio ao feminicídio. Falas emocionadas, desabafos, e compartilhamento de diversas experiências foram numerosas nas inscrições das mulheres neste debate.

“Trata-se de uma situação devastadora que toca a dignidade da pessoa humana. O assédio sexual é um crime, nosso corpo pertence somente a nós mulheres, nossa liberdade não pode ser violada!”, ressaltou Jéssica em sua intervenção. Ela apresentou diversos elementos a respeito dos assédios, tanto moral quanto sexual, confira o vídeo com trecho da fala de Jéssica.

Para Lia Zanotta, após fazer uma rápida retomada histórica do feminicídio na sociedade, pontuou que a violência machista, em vários casos, dá seus primeiros indícios com a inferiorização e da mulher no cotidiano. Ressaltando que alguns avanços já se deram ao longo da história, no que se refere à defesa da mulher no ambiente doméstico, ela destacou a importância de “defender as mulheres também nos espaços públicos”.

Além de compartilhar algumas memórias pessoais de enfrentamento da violência, Raíssa Róssiter, apresentou as iniciativas do Governo do Distrito Federal no âmbito das políticas para mulheres. O Observatório Distrital de Gênero e o Núcleo de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (NAFVD) foram mostrados em sua falação.

Discorrendo sobre a Casa da Mulher Brasileira, Margareth Teixeira explicou que o objetivo do espaço é oferecer os serviços de atendimento à mulher vítima de violência em um só lugar. Ela agradeceu o convite e registrou, ao final da mesa, o quanto considerou o debate enriquecedor.

“Nenhum ser humano é capaz de suportar sozinho o ataque ao seu mundo interno”, afirmou Elisa de Andrade ao iniciar sua intervenção. Os impactos dos assédios (moral e sexual) na vida de cada mulher, como por exemplo o “roubo subjetivo que afeta a identidade da trabalhadora”, foram analisados por ela em diversos estudos. Ela lembrou ainda que normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho também tratam de sobrecarga psíquica, amparando trabalhadoras neste aspecto. “Precisamos de espaços para cuidar de nós mesmas, de considerar a importância de nossa dimensão subjetiva enquanto humanos”, destacou.

 

Plenária Final

A leitura, revisão e aprovação do manifesto do Encontro de Mulheres, das relatorias de Grupos de Trabalho e o debate de encaminhamentos foram realizadas na plenária final do evento, na tarde do domingo (25/03). A mesa coordenadora dos trabalhos foi composta por Natália Cavalcanti (IFPA), Juliana das Oliveiras (IFPE) e Rozana Alves (IFCE).

Após sistematização, os encaminhamentos serão divulgados e também aprovados em Plenária Nacional do sindicato.