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Enquanto a EC 95/2016 estiver em vigor, o PIB brasileiro será baixo

Postagem atualizada em 11/03/2020 às 17h41

A Emenda Constitucional do teto dos gastos (EC 95/2016), aprovada em dezembro de 2016, impôs um severo limite aos investimentos e gastos sociais do governo sob as “justificativas” de:

  1. reequilibrar as contas públicas;
  2. fazer o governo usar melhor os seus recursos;
  3. e convencer empresários de que “vale a pena investir no Brasil”.

Uma regra que limita o crescimento dos gastos do governo pode parecer bem-vinda. Evitaria desperdícios, induziria maior racionalização dos gastos e ajudaria a prevenir desequilíbrios fiscais.

O problema da EC 95/2016 é tratar como gasto o que é investimento. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cada R$ 1,00 investido em educação gera R$ 1,85 para o Produto Interno Bruto (PIB) do país.

A regra peca por ser muito rígida. Ela não protege gastos sociais e nem o investimento, como recomendado pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI).

Três anos se passaram da aprovação da PEC 241/2016 na Câmara e da PEC 55/2016 no Senado e, de lá pra cá, o teto dos gastos se tornou um dos principais freios da economia brasileira e ainda piorou a distribuição dos gastos públicos que ela prometia melhorar.

O crescimento que não veio

A queda dos juros não tem sido suficiente para incentivar os empresários a investir. Com a demanda por bens e serviços tão baixa, poucos estão fazendo essa aposta. A taxa de investimento no país caiu de 21% em 2014 para 15% em 2017 e 2018, e o crescimento médio ficou em apenas 1,3%. Em 2019, o crescimento do PIB foi ainda menor, ficando em míseros 1,1%: um pibinho.

A baixa taxa de juros por si só não faz milagres: os empresários precisam vislumbrar lucro nos projetos de investimento. Conforme ensinou o economista britânico John Maynard Keynes, para o empresário investir e montar ou ampliar um negócio, é preciso que ele espere conseguir um lucro maior do que conseguiria colocando seu dinheiro para render juros, aplicando em títulos públicos. Ou seja, ainda que a taxa de juros caia, se os empresários não esperam que o lucro do investimento seja maior que a taxa de juros, eles não metem a mão no bolso para investir. Melhorar as perspectivas de vendas na economia, portanto, é fundamental.

Com o consumo retraído pela queda da renda das famílias e o investimento privado estagnado pela baixa expectativa de vendas, caberia ao setor público motivar a retomada do crescimento. Não sobram alternativas: a recuperação da economia depende do investimento público e dos gastos sociais, que têm grande capacidade de estimular o consumo e o investimento privado. Se o governo não fizer a economia girar, acumularemos pibinhos.

Num contexto de dificuldade fiscal, o foco do Executivo deveria ser negociar o corte ou congelamento dos gastos do Legislativo e do Judiciário, que têm menor efeito sobre a atividade econômica. O problema é que os dois poderes têm autonomia para fazer seus orçamentos, mas não se mostram sensíveis à realidade do país. Gastos sociais e investimentos, por outro lado, deveriam ser preservados. O que tem ocorrido é o oposto disso.

Depois do teto, o investimento público permaneceu comprimido, em torno 2% do PIB, metade do verificado em 2014, e os investimentos sociais foram sendo reduzidos. Gastos com saúde, educação e assistência vêm caindo, enquanto o Judiciário estoura seu orçamento ano após ano. Em 2019, os gastos com saúde caíram 4,3%. A redução dos gastos com educação foi ainda maior: 16%. Até mesmo a segurança pública perdeu recursos (4,1%). Agora, o governo está também dificultando o acesso ao Bolsa Família. A fila de espera do programa chegou a 1,5 milhões de famílias, e seu orçamento para 2020 foi reduzido em quase 10%. Em contrapartida, gastos com defesa aumentaram 22,1%! É disso mesmo que o Brasil mais precisa hoje?

A Constituição de 1988 vinculou parte das receitas do governo à saúde e à educação por prever que, sem essa vinculação, parte da elite política e econômica do país tentaria relegar esses gastos ao segundo (ou a terceiro) plano.

O teto dos gastos mudou a Constituição exatamente para fazer com que os gastos com saúde e educação deixassem de acompanhar o crescimento da receita. De 2017 em diante, com o teto de Gastos, a receita do governo aumenta à medida que o país cresce, mas os gastos com saúde e educação não precisam mais crescer junto. É o que está acontecendo.

No tipo de ajuste fiscal adotado, quem paga a conta são os mais pobres, que têm menor poder de barganha. São eles os que mais precisam de crescimento econômico para conseguir emprego. E são eles também os que mais precisam de saúde e educação públicas e de programas assistenciais como o Bolsa Família. Jogar a conta para os mais pobres significa agravar nossa já elevada desigualdade e piorar ainda mais nossa capacidade de crescimento.

É preciso revogar o teto

O teto dos gastos é rígido demais e precisa ser revogado. As deficiências da regra são óbvias. Um relatório recente do FMI aponta a importância de manter certa flexibilidade nas regras fiscais. Um outro estudo, também de pesquisadores do FMI, aponta ainda que regras muito rígidas tendem a ter impacto negativo sobre o investimento público em países emergentes. Em alguns países, como Finlândia, Espanha e Estados Unidos, gastos com benefícios assistenciais (como seguro desemprego e políticas públicas compensatórias) são excluídos do teto em função da sua importância e por serem sensíveis ao ciclo econômico.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) fez um estudo em 2019 para o Fonasefe e concluiu que, se a EC 95/2016 não for revogada, os serviços públicos brasileiros vão colapsar até o ano de 2024, desassistindo de seu atendimento toda a população e jogando os mais pobres à própria sorte.

Ironicamente, por ter contribuído para segurar a retomada do crescimento, o teto acabou freando também o crescimento das receitas do governo e o próprio ajuste fiscal. Com o pibinho, o governo arrecadou menos impostos – o que dificultou fechar as contas. Se os gastos fossem mais flexíveis e aumentassem lentamente, com a composição adequada, o crescimento da economia aumentaria também a receita do governo, acelerando o ajuste das contas públicas. Esse é o cenário que precisa ser construído para o futuro.

Em entrevista recente, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a grande mensagem da sequência de pibinhos dos últimos anos é que “a participação do Estado será sempre importante para que o Brasil possa crescer e se desenvolver”. Cabe a ele então ajudar a liberar o Estado para assumir seu papel na aceleração do crescimento brasileiro. Para isso, é preciso levar o debate sobre a revogação do teto dos gastos ao Legislativo para desfazer essa amarra e destravar a economia.

O que é o teto dos gastos?

O teto dos gastos é o congelamento do gasto primário da União em todos os serviços que o Estado fornece à população. Esse gasto foi congelado em 2016 e só pode ter alguma alteração dentro da margem inflacionária de cada ano. Ou seja, sem levar em conta o crescimento da arrecadação; o aumento populacional e a ampliação de demandas que isso gera para o Estado; e a deterioração de bens e imóveis, todos os investimentos em saúde, educação e segurança, até 2036, permanecerão os mesmos em relação ao que foi aprovado em 2016.

O Estado arrecadará mais, mas gastará sempre o mesmo. E porque? Para que sobre sempre mais dinheiro para os pagamentos dos juros e amortizações ao sistema da dívida pública – que ficou de fora do congelamento!

A EC 95/2016 tramitou na Câmara como PEC 241/2016 e no Senado como PEC 55/2016. Junto à Reforma do Ensino Médio, ela foi a grande impulsionadora da nossa greve nacional de 2016 (que durou 37 dias).

*Matéria escrita com informações do The Intercept Brasil