Postagem atualizada em 01/05/2022 às 19h48
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Os ídolos são construídos por cima de incontáveis qualidades. Seus feitos, seus gestos, suas ações, suas conquistas, suas palavras, seus talentos vistos como inigualáveis são narrados de geração à geração. E essas narrativas tendem a descrever seres perfeitos e inalcançáveis, acima da condição natural da humanidade.
Por serem intocáveis, incomparáveis e infalíveis, a admiração por si só não basta e os ídolos passam a ser muitas vezes temidos ao invés de admirados, recebem um grau de tratamento que vai além do respeito. A partir disso, deixam de ser ídolos e se tornam mitos.
Essa condição do ídolo/mito tradicional não serve para Maradona. E não porque ele não teve condições de alcançá-la, mas por ter conquistado essa aura e, por livre e espontânea vontade, não tê-la aceitado como um escudo.
Maradona nunca quis ser um mito, ele quis ser humano como nós. E ele foi demasiadamente humano. Como todos os humanos, ele gostava de ser amado; mas diferente de todos os mitos, ele rejeitava ser visto como uma criatura sem defeitos. Uma existência sem defeitos não existe, é obra do mundo das ideias, artificial demais para comportar a originalidade de Maradona.
O atleta Maradona se aproximou da perfeição em tudo que fez dentro de campo, se tornou inesquecível para os que o assistiram. Mas para ser perfeito aos olhos daqueles que lucravam com o espetáculo que ele proporcionava, Maradona tinha que seguir uma cartilha que confrontava a sua personalidade. E ele não seguiu essa cartilha. O comportamento asséptico e pasteurizado que o marketing desportivo queria para ele nunca foi seguido.
Maradona nunca fez questão de agradar técnicos, dirigentes e gestores dos clubes em que jogava, das confederações de futebol e da própria Fifa. Diferente de outros atletas que se orgulhavam por posar em fotos com presidentes militares dos seus países, Maradona se orgulhava unicamente por alegrar a população argentina – ele sabia da realidade dura de seu povo e queria dar a ele, por meio do futebol, algo para se orgulhar.
O homem Maradona era demasiadamente sensível aos problemas sociais e políticos do mundo e, especialmente, do seu país. Sempre fez questão de se posicionar em relação às pautas polêmicas que a sociedade debatia. Sempre se colocou do lado contrário ao das injustiças. Nunca aceitou o ataque imperialista da Inglaterra contra seu país, que resultou na invasão e roubo das Ilhas Malvinas.
Foi corajoso e autêntico quando falou, sem ser superficial e inconsequente. E agora, com sua partida, essa autenticidade vai fazer falta.
Maradona lutou como foi possível, com os meios que estavam disponíveis, mas seu corpo foi vencido pela vida de excessos que levou. E essa vitória da morte sobre a vida deixa todos os que ainda não foram vencidos também com um sentimento de derrota pelo vazio que isso abre em nós.
Hoje é um dia de ler que Maradona foi genial; ou que Maradona foi um drogado; ou que foi um polemista; ou que foi melhor do que Pelé; ou que foi menos espetacular do que Messi. E nada disso importa.
A beleza da vida de Maradona é que sua existência o permite ser criticado, ser elogiado, ser admirado e ser hostilizado. A vida de Maradona só não o permite uma coisa: ser ignorado. Ele deixou sua personalidade muito presente em nossas memórias.
A perda de Maradona, mesmo pra quem nunca o viu pessoalmente, não é como a perda de uma pessoa famosa. É como perder um amigo próximo, pois nós sabemos reconhecer nas pessoas que fazem parte do nosso dia a dia as qualidades e defeitos que Maradona fazia questão de demonstrar que possuía. Todos nós temos amigos e parentes espontâneos e fanfarrões como ele. Talvez tenha sido por isso que Maradona renegou a aura de mito e preferiu ser visto como um de nós.
Ficar triste é uma possibilidade. Seguir em frente no momento seguinte é uma satisfação que nós teremos. Que nesse “seguir em frente” possamos festejar as boas memórias que Maradona nos deixou, pois são essas memórias que mostrarão que ele não morreu: Maradona viveu e se eternizou!