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Reflexões acerca do ensino remoto no Brasil e no IFMG

Postagem atualizada em 13/07/2020 às 19h31

O Brasil assiste ao avanço da pandemia com dados assustadores: enquanto os números oficiais chegam a mais de cinquenta mil mortes, estudos mostram que os dados reais devem estar na casa dos noventa mil, se somados os casos confirmados por COVID-19 àqueles notificados como síndrome respiratória aguda grave. Enquanto seguimos com a política negligente e genocida do governo federal que insiste na combinação mortal entre baixa testagem e quebra do (frágil) isolamento social, vemos vários grupos discutindo o ano letivo nas diversas redes que compõem a educação básica e superior no Brasil.

Na rede particular de ensino, na qual já se cogita o retorno presencial, é natural que essa discussão avance com celeridade, uma vez que a classe patronal vê seus lucros ameaçados ante a frágil adesão de seus alunos/clientes às modalidades remotas de ensino.
Nas redes públicas, por incrível que pareça, infelizmente também é o que se vê. De norte a sul do país, governadores e prefeitos falam em rodízio de alunos, modelos híbridos entre EaD e aulas presenciais, possibilidade de escolha por parte dos pais e estudantes entre os dois modelos e alternativas obscuras.

Nesses meses de pandemia, diversas redes adotaram de modo improvisado o ensino remoto, no qual se relatam problemas de toda sorte: falta de condições de acesso, materiais de péssima qualidade, professoras e professores apavorados para dar aulas pela internet, algo para o que nunca fomos preparados. O sofrimento imposto por esse modelo de ensino remoto está flagrantemente relatado em todas as mídias sociais e meios de comunicação por parte de mães, pais, professoras, professores e TAEs, cujas jornadas de trabalho que, amplificadas, se somam à ansiedade, ao stress, ao desânimo frente a estudos, a insegurança, a sensação latente de que alguma coisa está muito errada. Esse verdadeiro caos reforça uma antiga e perversa tradição no ensino brasileiro: a aula expositiva, transmissora, monológica, em que somente um grupo de alunos cujas habilidades operatórias e cognitivas lhes garantem boa aprendizagem é mais uma vez privilegiada em detrimento de todo os outros modos de se aprender e se ensinar.

Essa tradição conservadora e excludente é agravada pelas enormes diferenças socioeconômicas brasileiras que sabidamente não garantem o mínimo de condições para que todos possam usufruir do ensino remoto. Mas por que tudo isso? Por que tanta insistência com a volta às aulas durante a pandemia? Por que tanto medo de um ano letivo perdido e um calendário adiado?

Decerto que, por parte do governo federal, interessa muito esse ensino remoto. Ao adotar o discurso do isolamento horizontal, Bolsonaro, Guedes e equipe se prendem a tênues fios de esperança de que a economia brasileira não quebre de vez, consequência de uma política econômica desastrosa e de uma crise mundial que em muito antecedia a pandemia.

Alinhados ao governo, grandes grupos econômicos seguem agindo por dentro do MEC e do parlamento para aprovar o projeto Future-se, com suas propostas privatizantes, que retiram a autonomia dos Institutos Federais e das Universidades, destroem o tripé ensino-pesquisa-extensão, reforçam valores capitalistas e de mercado em detrimento da universalidade e pluralidade do conhecimento. Em meio à crise, ao agravamento da limitação de recursos, da necessidade de novos investimentos para a adequação a essa nova realidade, o famigerado projeto certamente será defendido como tábua de salvação à manutenção da Rede Federal de Educação.

Em termos ideológicos, interessa às elites o agravamento da segregação, dos privilégios dos brancos, das classes média, média alta e alta sobre a maioria preta e pobre do país. No momento em que o fascismo avança por todos os poros do tecido social, investir em um ensino que privilegia as classes que têm mais estrutura e melhor acesso aos recursos tecnológicos se soma perfeitamente à política de morte do governo miliciano.

Por todos esses motivos, todas as categorias ligadas à educação pública deveriam estar firmemente engajadas na luta contra o ensino remoto, pela suspensão dos calendários, pela construção conjunta de projetos alternativos às aulas presenciais que privilegiem a saúde física e mental de todos em primeiro lugar, a garantia de igualdade de acesso a todos os estudantes, sem pressa, sem endossar o discurso de morte do governo genocida, sem contribuir para o já deteriorado estado de pânico que, infelizmente, começa a ocupar as mentes e corações da população ante ao avanço da crise suas incertezas.

Porém, o que se vê? Reitores e diretores de campi e unidades implementando a toque de caixa o ensino remoto, numa obediência servil e leniente à política que assola o país. É assim que vemos no IFMG um péssimo exemplo dessa prática: após uma consulta fajuta, que não durou sequer quarenta e oito horas, sem sequer passar pelo Conselho Superior da instituição, sem se preocupar em consolidar minimamente os dados socioeconômicos mais levantes para que as famílias adotem o ensino remoto, publicou no último dia dezoito uma instrução normativa que, na prática, libera campi e colegiados de cursos para decidirem se, e como vão dar continuidade ao calendário escolar.

Afinal, a quem interessa o ensino remoto no IFMG? Por que o reitor não convocou o conselho superior extraordinariamente para debater a questão do ensino remoto? Por que não criou grupos de trabalho, comissões com representantes de todos os segmentos para, de modo, coletivo, definir as estratégias de ação em meio a essa situação? As mulheres, tão sobrecarregadas pelo trabalho doméstico, pelas duplas, triplas jornadas, não mereceriam ser ouvidas? Os estudantes, com suas múltiplas realidades, não deveriam participar dessa decisão? Os técnicos e técnicas administrativos, tão sobrecarregados pela falta de concursos e pelo arrocho salarial em face a anos sem aumento foram preparados para o trabalho remoto? Foi garantido que todos, TAES e docentes, tivessem as condições para um bom desempenho em casa? Quantos que, mesmo sem poder, tiveram que adquirir um novo smartphone, notebook, plano de internet com receio de não dar conta das novas demandas? Quantos têm filhos em idade escolar, idosos em casa ou fazem parte de grupos de risco? Antes de publicar a instrução normativa, nosso reitor ou seus pró-reitores se atentaram a essas e a outras tantas questões determinantes para o processo de continuidade dos calendários? Os diretores de campus que insistiram e insistem nessa necessidade de retomada a todo custo estão levando esses aspectos em consideração?

Infelizmente não. Em que pesem algumas ações isoladas em alguns campi, o que vemos, em sua maioria, são gestores reproduzindo o discurso hegemônico de que “não se pode perder o ano”, ou que “desigualdades sempre existiram”, posicionamentos que revelam modo de pensar excludente, que dialoga diretamente com valores burgueses e fundamentalistas como o darwinismo social.

O Sinasefe IFMG é radicalmente contra essa imposição e submissão a esses valores que em nada contribuem para uma educação que forme mulheres e homens em sua plenitude. Somos pela suspensão imediata de todos os calendários, pelo cancelamento da IN 05/2020, pela elaboração de um projeto de ensino emergencial que leve em conta todas as idiossincrasias de todas as trabalhadoras, trabalhadores e estudantes em nossa instituição.

* Material publicado pelo Sinasefe IFMG, em 24/06/20.

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