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Exército reduz número de professores civis e eleva “encastelamento” de Colégios Militares

Postagem atualizada em 08/05/2023 às 16h52

Escolas elevaram quantidade de docentes membros das Forças Armadas; movimento foi observado principalmente nas maiores instituições

Os colégios militares têm reduzido gradualmente o número de professores civis em um movimento que especialistas consideram um “encastelamento” voltado ao pensamento da caserna.

Desde 2018, o número de professores civis em todo o sistema de Colégio Militar passou de 711 para 666 (queda de 6,8%). No mesmo período, a quantidade de docentes militares subiu de 100 para 159 (aumento de 59%).

Procurado pelo jornal Folha de São Paulo* para comentar o assunto, o Exército não respondeu nada sobre o tema.

O movimento do Exército nessa política, além de envolver um crescimento quantitativo, envolve a ocupação de postos-chave, como as aulas de história. É essa disciplina que trata, entre outros, do Golpe Militar de 1964, que integrantes das Forças Armadas preferem chamar de “revolução”.

O ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a pedir para que menções no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ao Golpe Militar fossem substituídas por revolução – isso teria ocorrido no primeiro semestre de 2021, quando Bolsonaro falava em deixar a prova “com a cara do governo”.

Essa política de “encastelamento” é especialmente aguda nos dois maiores Colégios Militares do país, o de Brasília-DF e o do Rio de Janeiro-RJ – onde o SINASEFE possui duas importantes bases, representadas pelo Sinasefe CMB-DF e pelo Sinasefe CMRJ-RJ, respectivamente.

Na capital federal, o número de professores civis caiu de 139 para 117. No Rio de Janeiro-RJ, eles caíram de 94 para 85. Outro com queda expressiva foi o de Manaus-AM (base representada pelo Sinasefe Manaus-AM), que reduziu os professores civis de 51 para 36.

Os filhos de militares têm vaga automática nos Colégios Militares e muitos deles continuam na carreira depois de deixar as instituições, seguindo para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCex) e em seguida para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), onde são formados os Oficiais da Força Terrestre.

Com menor presença de professores civis nos Colégios Militares, última instância onde eles estão presentes nesse percurso formacional dos estudantes, diminui o contato dos membros do Exército Brasileiro com quaisquer pensamentos para além da “doutrina militar”.

“Na academia, chamamos isso de problema de endogenia [processo que se forma dentro de um organismo]”, diz* Rodrigo Lentz, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e especialista na participação política dos militares na história do Brasil.

O problema da endogenia, prossegue o acadêmico, é que ela “favorece uma coesão ideológica da interpretação da formação histórica brasileira, do papel dos militares e da atuação política deles”.

Sete dos treze Colégios Militares em funcionamento no Brasil perderam professores civis entre os anos de 2018 a 2022 (último ano de Governo Temer e todo o período do Governo Bolsonaro). Em outros dois, a quantidade ficou estável. Já o número de professores que são militares da reserva cresceu em 12 das 13 instituições analisadas pelo jornal Folha de São Paulo*.

Os Colégios Militares estavam no centro da política educacional do governo de Jair Bolsonaro. No Orçamento de 2023, o Colégio Militar de São Paulo-SP (base do Sinasefe IFSP-SP) tinha R$ 147 milhões para realizar obras. A título de comparação, o valor reservado para a construção de moradia popular no programa “Casa Verde e Amarela” era de R$ 34,2 milhões – mais de quatro vezes menor.

Uma outra vertente explorada por Bolsonaro foi a Militarização de Colégios Públicos. Para isso, foi criado um programa para a expansão das Escolas Cívicomilitares, que colocavam membros das Forças Armadas e de outras Forças de Segurança Militarizadas dentro de Colégios Públicos estaduais e municipais. A ideia inicial era ter 216 escolas desse tipo até 2023.

O modelo, obviamente, não agrada ao Governo Lula, que acaba de tomar posse, nem ao SINASEFE e pesquisadores da área.

O ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou* no final de 2022 que o programa não seria uma prioridade na sua gestão. “Não vi muita aceitação pelos estados e municípios. Vamos avaliar, mas o próximo Ministério da Educação terá foco e prioridades, e essa não será uma das prioridades”, avaliou Camilo ainda antes de tomar posse.

Flávio Barbosa, diretor do Sinasefe CMR e Eampe-PE, demonstrou preocupação com a situação. “Debatemos isso no 14º Escime**. Estavam querendo transformar as Escolas Militares em quartéis. Não há mais concursos públicos. O último concurso para técnico-administrativos foi em 1995″, alertou.

“Transformar Colégios Militares em quartéis não é nossa ideia para a Educação. Temos que mudar isso, denunciar e pedir ao novo Governo Federal que abra concursos para servidores, tanto técnicos quanto docentes”, propõe Flávio.

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* Matéria escrita com informações do jornal Folha de São Paulo
** Realizado de 25 a 27/11/2022, em Fortaleza-CE