Postagem atualizada em 25/06/2020 às 15h44
Deputados federais e senadores planejam uma votação temerária contra os servidores públicos, visando reduzir os salários de todas as categorias entre 10% e 50%. A votação dessa proposta, que pode acontecer inclusive de maneira virtual (sem a presença dos parlamentares no Congresso e sem nenhum debate), está em articulação pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Como seria o corte?
A ideia é cortar 10% de quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 10 mil; e cortar de 20% a 50% de quem ganha acima de R$ 10 mil. Já foram apresentados, com esse teor, um Projeto de Lei (PL), de autoria do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do deputado Ricardo Izar Júnior (Progressistas-SP).
Desonestidade escancarada
Esse ataque se baseia em falsificações e alucinações reproduzidas por Maia e Paulo Guedes. O presidente da Câmara insiste em dizer a cada entrevista que os servidores públicos “ganham muito”. O ministro da economia, que elabora medidas anti-classe trabalhadora todos os dias, já comparou os servidores à parasitas e ameaçou atacar os seus salários neste ano – tanto que a PEC Emergencial (PEC 186/2019), de sua autoria, já tramita no Senado Federal com essa intenção.
O que eles não fazem é mostrar os dados e as estatísticas antes de buscar transformar os servidores públicos em vilões da crise financeira do Estado perante à sociedade! E pior que isso: eles não dizem o caos em que o país ficará – ainda mais em momento de crise e de calamidade! – depois que reduzirem o acesso da população aos serviços públicos. Além dos salários, as jornadas dos servidores também serão reduzidas proporcionalmente, deixando o atendimento bastante precário no momento em que a população mais precisará dele.
Os servidores não são marajás
O Brasil tem 11,4 milhões de postos de trabalho no setor público, grande parte em áreas sociais – apenas na saúde e na Educação municipais são 2,6 milhões de vínculos trabalhistas. Metade dos servidores ganha menos de R$ 2,7 mil por mês (antes dos descontos).
Um funcionário público brasileiro ganha, em média, 8% a mais do que um trabalhador que exerce função similar no setor privado. Em um conjunto de 53 países analisados pelo Banco Mundial, esse percentual chega a 21%. Em outras palavras, a cada R$ 100 recebidos por um trabalhador privado, seu par no serviço público brasileiro ganha R$ 108. Na média internacional, a proporção é de R$ 100 para R$ 121.
Economia fajuta
Os defensores desse confisco salarial afirmam que ele é necessário para ajudar o país no combate à pandemia do coronavírus. Dizem, ainda, que os salários confiscados serão repassados para o Ministério da Saúde investir no Sistema Único de Saúde (SUS) – que tem orçamento de R$ 125,6 bilhões para 2020. Só não falam o quanto é irrisório esse valor para resolver o problema…
A massa salarial dos servidores representa 4,4% do Produto Interno Bruno (PIB), algo em torno de R$ 290 bilhões por ano, incluindo os aposentados. A economia anual proposta por esse corte significaria algo em torno de R$ 30 bilhões (24% do atual orçamento do Ministério da Saúde).
Uma medida bem mais eficaz e justa seria a taxação dos super-ricos. Em estudo realizado pela Fenafisco, pela Anfip, pela AFD e pelo IJF, taxar as grandes fortunas do país traria uma arrecadação aos cofres públicos de R$ 272 bilhões (216% do atual orçamento do Ministério da Saúde) – quase 10 vezes o valor que querem arrecadar sacrificando a vida e a dignidade dos servidores!
O valor da “economia” com os cortes salariais fica ainda mais irrisório se comparado à rolagem da Dívida Pública, estimada em R$ 4,249 trilhões. Os R$ 30 bilhões que seriam retirados dos servidores (e de circulação na economia, pois eles deixariam de consumir) representam apenas dez dias da rolagem do Sistema da Dívida – que tem mais de R$ 917 bilhões previstos para o seu refinanciamento neste ano.
Desproteção na crise
Se bem sucedido, esse ataque orquestrado por Rodrigo Maia pode desproteger os servidores, deixando-os sem ter como pagar suas contas em pleno período de pandemia do coronavírus e estado de calamidade pública.
Além da desproteção aos servidores, o conjunto da sociedade que precisará dos serviços públicos ficará com atendimento prejudicado, já que as jornadas de trabalho seriam reduzidas em escala proporcional aos cortes salariais – de 10% a 50%.
O atendimento no INSS, que já estava caótico antes da pandemia da COVID-19, irá colapsar. Institutos e Universidades Federais possivelmente não terão como concluir seus anos letivos, prejudicando milhões de estudantes. É esse o futuro sombrio que o confisco salarial trará e que os seus defensores estão escondendo!
Inconstitucionalidade da proposta
Cabe lembrar que reduzir os salários dos servidores públicos foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto do ano passado.
Dessa forma, a tramitação de tal proposta por PL (como sugere Carlos Sampaio) não faz sentido. A tramitação de uma PEC – instrumento necessário para essa modificação na legislação – tem procedimento mais complexo, precisando de aprovações por Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Comissão Especial, número específico de sessões no plenário e votação em dois turnos na Câmara e no Senado, precisando de no mínimo dois terços dos parlamentares (308 deputados e 49 senadores) para ser aprovada.
É impensável ver uma PEC tramitar de modo virtual, sem seguir esse rito, sendo votada em pouco tempo e sem nenhum debate com a sociedade e com as categorias envolvidas. Mas a pressão da imprensa pela redução dos salários do funcionalismo público e os “acordões” entre os partidos devem manter os servidores mobilizados e prontos à ação.
A Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do SINASEFE dará, em breve, um parecer sobre o tema.
PEC Emergencial
A PEC 186/2019, que propõe o corte salarial dos servidores em até 25%, está na CCJ do Senado. Apesar das pressões, a Senadora Simone Tebet (MDB-MS) – que preside a CCJ – afirmou que a mesma não será votada de maneira virtual dentro da Comissão.
O texto, que ainda está na CCJ e não foi apreciado pelo plenário da Casa, precisa ser aprovado em dois turnos, com o mínimo de 49 votos dos senadores em cada turno. Se aprovado, ainda precisa tramitar na Câmara dos Deputados sob o mesmo rito.
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