Postagem atualizada em 12/07/2020 às 19h10
A Auditoria Cidadã da Dívida lançou uma Nota Técnica que avalia a PEC do “orçamento de guerra” (PEC 10/2020).
Esta PEC cria uma espécie de “orçamento paralelo” para segregar as despesas emergenciais que serão feitas para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil. Seu regramento deverá vigorar durante o estado de calamidade pública já reconhecido pelo Congresso – que tem validade até 31/12/2020.
O texto, que deve ser votado hoje pela Câmara Federal, permite que o governo gaste os recursos sem as amarras aplicadas ao orçamento regular, como a regra de ouro. A preocupação em retirar essas travas fiscais e orçamentárias, incluindo restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), seria permitir que o governo consiga dar uma resposta adequada à crise. Mas seria só isso mesmo?
Confira abaixo a íntegra da Nota Técnica da Auditoria Cidadã da Dívida:
O objetivo dessa PEC do “orçamento de guerra” é legalizar a indecente remuneração da sobra de caixa dos bancos que desviou, de forma ilegal, cerca de R$ 1 trilhão de recursos públicos em 10 anos (2009 a 2018), segundo dados do balanço do próprio Banco Central, além de jogar os gastos com a calamidade do coronavírus nas contas das áreas sociais!
Maria Lucia Fattorelli
Considerando a existência do saldo de R$ 1,439 trilhão no caixa da Conta Única do Tesouro Nacional em dezembro/2019.
Considerando que o pagamento do vale de R$ 600 aos mais pobres (já aprovado pelo Congresso Nacional desde 30/03/2020) pretende alcançar mais de 38 milhões de pessoas e tem custo estimado de até R$ 45 bilhões segundo o próprio ministro Paulo Guedes.
Considerando que o ministro da economia Paulo Guedes tem dito reiteradamente a diversos veículos de imprensa que não teria como pagar o vale de R$ 600 aos mais pobres, condicionando esse pagamento à aprovação de modificações na Constituição, pois afirma que somente quando o Congresso aprovar a PEC do “orçamento de guerra” ele pagará o voucher aos pobres.
Considerando notícia veiculada pela Globo News, de que técnicos do próprio governo contradizem Guedes e afirmam que existe dinheiro em caixa para efetuar o pagamento dos R$ 600 aos mais de 38 milhões de pobres já identificados.
A Auditoria Cidadã da Dívida buscou investigar o texto da referida PEC do “orçamento de guerra”, assinada em 01/04/2020 por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, a fim de verificar a razão pela qual, apesar da existência de recursos mais que suficientes em caixa, Guedes estaria criando esse condicionante ao pagamento do vale e pressionando o Congresso pela aprovação da PEC do “orçamento de Guerra” ainda nesta semana.
A análise dos dispositivos da referida PEC desmascarou o seu principal objetivo: diversos dispositivos, como se menciona a seguir, visam favorecer ainda mais o setor financeiro, que já está sendo beneficiado com a crise provocada pelo coronavírus de várias formas: recebeu ajuda (sem qualquer restrição!) de R$1,2 trilhão, como anunciado pelo presidente do Banco Central dia 23/03/2020, e ainda quer mais isenções, imunidade e liberdade (MPV 930/2020).
A PEC do “orçamento de guerra” joga na conta das próprias áreas sociais o custo das medidas de combate à crise do coronavírus, na medida em que autoriza retirar os recursos de áreas sociais para atender a calamidade, porém, deixa intocada a montanha de dinheiro reservada para o pagamento da dívida.
De acordo com o artigo 115 § 6º (ADCT), incluído pela PEC do “orçamento de guerra”, poderão ser usados recursos da conta única do Tesouro Nacional, referentes a receitas vinculadas às áreas sociais para atender a calamidade. Ao mesmo tempo, a referida PEC não permite o acesso a centenas de bilhões que só podem ser destinados para o pagamento da dívida, tais como:
- R$ 162 bilhões – lucros do Banco Central
- R$ 81 bilhões – recebimentos de juros e amortizações de estados, municípios e BNDES
- R$ 13 bilhões – Lucros das estatais
- R$ 505 bilhões – recursos obtidos por meio da emissão excessiva de títulos da dívida no passado
Tal dispositivo da PEC do “orçamento de guerra” significa, na prática, um sacrifício para as próprias áreas sociais, que irão pagar a conta da crise social, enquanto os rentistas continuarão com a sua montanha de dinheiro garantida e preservada.
A PEC do “orçamento de guerra” (artigo 115 § 7º – ADCT) visa “legalizar” a emissão de títulos da dívida pública para pagar as despesas correntes com juros dessa dívida, o que burla o artigo 167, III, da própria Constituição. Essa prática ilegal que privilegia os beneficiários dos juros da dívida vem sendo denunciada há vários anos pela Auditoria Cidadã da Dívida.
Tal dispositivo da PEC do “orçamento de guerra” não guarda qualquer relação com o pagamento do vale de R$ 600 aos mais pobres e visa, na prática, “legalizar” mecanismo fraudulento que tem aumento ilegalmente o estoque da dívida, usando recursos de capital para pagar as privilegiadas despesas correntes com juros.
Em vez de realizar a auditoria da dívida pública e interromper esse mecanismo inconstitucional de emissão de títulos da dívida para pagar despesas correntes com juros, essa PEC do “orçamento de guerra” visa legalizá-lo, o que é inaceitável!
A PEC do “orçamento de guerra”, no artigo 115 § 10 (ADCT), promove salvamento de empresas e bancos, transferindo para os cofres públicos o ônus de papéis podres em poder do mercado (tal como ocorreu nos EUA e Europa na crise de 2008, afetando gravemente os cofres públicos), com aporte de 25% do Tesouro Nacional, sem exigir contrapartida alguma das empresas e bancos beneficiados.
A PEC do “orçamento de guerra” inclui o artigo 164-A ao texto Constitucional e cria a figura do Depósito Voluntário dos bancos junto ao Banco Central. Tal medida visa “legalizar” a remuneração escandalosa da sobra de caixa dos bancos, que já vem acontecendo de forma ilegal, mediante o abuso das operações compromissadas realizadas pelo Banco Central.
Tal operação ilegal custou cerca de R$ 1 trilhão aos cofres públicos em 10 anos (2009 a 2018), segundo dados dos balanços do próprio Banco Central.
O Banco Central vinha alegando que tal operação seria necessária para enxugar o excesso de liquidez e combater a inflação, porém, em 2017 o IGP foi negativo e, em vez de reduzirem o volume de tais operações, o que se verificou na prática foi o seu crescimento ao valor recorde de R$ 1,287 trilhão.
O Banco Central perdeu o seu argumento e a ilegalidade ficou flagrante!
Naquela circunstância, o Banco Central apresentou ao Congresso o PL 9248/2017, mediante o qual criava a figura do Depósito Voluntário remunerado pelo Banco Central que foi refutado até por Nota da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), pois o depósito voluntário de mais de R$ 1,2 trilhão no Banco Central gera escassez brutal de moeda no mercado financeiro e provoca elevação das taxas de juros de mercado aos patamares indecentes praticados no Brasil.
Todos os setores econômicos sofrem com as elevadas taxas de juros de mercado, em especial as indústrias, que não têm como operar sem créditos financeiros.
Pois bem, o referido PL 9248/2017 não andou.
Em seguida, no projeto de independência do Banco Central (PLP 112/2019), houve nova tentativa de “legalizar” essa remuneração imoral e parasita aos bancos, pois o valor que depositam voluntariamente no Banco Central é dinheiro de seus depositantes e aplicadores, ou seja, ganham às custas dos outros e ainda provocam dano à economia!
É infame que no momento de crise de pandemia de coronavírus o ministro Paulo Guedes e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) queiram empurrar goela abaixo do Congresso esse mecanismo indecente que, ao mesmo tempo provoca rombo às custas públicas para remunerar bancos e provoca dano à economia ao gerar escassez de moeda e provocar aumento dos juros.
Tal medida é contrária ao propósito declarado dessa PEC do “orçamento de guerra” pois retira dinheiro de circulação da economia, causando mais dificuldade de crédito, além do ônus de sua remuneração aos bancos! Não há como justificar esse artigo 164-A, a não ser que se assuma de vez que o orçamento público será mais ainda sacrificado para garantir a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos às custas da pobreza e miséria que aumentam de forma galopante no Brasil!
Em vez de realizar a auditoria da dívida pública e interromper esse mecanismo inconstitucional de remuneração da sobra de caixa dos bancos, essa PEC do “orçamento de guerra” visa legalizá-lo com esse artigo 164-A, o que é inaceitável!
Diante desses argumentos, a coordenação nacional da Auditoria Cidadã da Dívida:
- repudia principalmente os incisos 6º, 7º e 10º do artigo 115 (ADCT) que a PEC do “orçamento de guerra” pretende criar e recomenda aos parlamentares a rejeição dos referidos incisos, que na prática aprofundam os abusivos privilégios ao setor financeiro;
- denuncia que a PEC do “orçamento de guerra” não é necessária para garantir o pagamento do vale de R$ 600 aos mais pobres (já aprovado pelo Congresso Nacional desde 30/03/2020), que irá alcançar mais de 38 milhões de pessoas e tem custo estimado de até R$ 45 bilhões segundo o próprio ministro Paulo Guedes, tendo em vista a existência de mais de R$ 1,4 trilhão no Caixa do Tesouro Nacional, conforme dados oficiais já citados na presente Nota Técnica;
- exige a imediata suspensão do pagamento dos juros e encargos da dívida pública para que os recursos se destinem a garantir a vida das pessoas nesse momento de pandemia, conforme petição pública que já conta com milhares de assinaturas.
Download
Baixe aqui a Nota Técnica da Auditoria Cidadã da Dívida nº 1/2020, que avalia a PEC do “orçamento de guerra” (formato PDF, tamanho A4, cinco páginas).
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- Relatório específico da Auditoria Cidadã da Dívida nº 1/2013 – exame específico referente à contabilização de parte dos juros nominais como se fossem amortizações (Auditoria Cidadã da Dívida)